segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O ESTREITO CAMINHO PARA DEUS


O Deserto, Barnett Newman, 1950.

Em minha recente aproximação ao expressionismo abstrato fui apresentado a mais um homem que soube fazer de sua arte um canal para Deus. Pois é isso. Não me perguntem o que é esse ângulo acima senão um canal, uma passagem para o mais pleno contato com um nível que excede nossa materialidade, o estado físico das coisas.

2, 43 metros de altura por 4,1 cm de largura.

Com essa escala, impossível de ser captada numa mera fotografia, Barnett Newman conseguiu como nenhum outro homem fora capaz, rasgar o espaço, abrir uma brecha no campo visual e apontar para a direção certa, seja qual for a ponta que se escolha observar.

Meu primeiro contato com a obra, dentro de um livro, também bastou para que o espanto se firmasse, pois o que vi foi uma fenda na sagrada página em branco, desprovida de palavras, arrastando-me para seu interior, tão estreito como o verdadeiro caminho a Deus.

E não satisfeito em me atingir com toda essa potência espiritual, Newman ainda fez o favor de batizar sua tela com o título O Deserto (The Wild)... Os que me conhecem ou acompanham esse cantinho virtual imaginam muito bem como eu devo ter ficado diante disso tudo.

Uma conferida na carreira do autor comprova sua fixação pela verticalidade das formas, sua necessidade de se reportar a algo que se encontra além da tela, imbuindo a seus rasgos a dupla função de romper o espaço em duas dimensões distintas ou mesmo de uni-los como numa espécie de fecho de correr.

Impossível não me lembrar dos homens que um dia desejaram alcançar o céu, daqueles que construíram sua babel acreditando que poderiam eternizar seu nome, seus feitos, sua grandeza. Ah, se eles soubessem que não precisavam de tijolos para chegar lá...

“Qual é a explicação do ímpeto aparentemente insano do homem para ser pintor e poeta senão um ato de desafio à queda do homem e uma asserção de que ele voltará ao Adão do Jardim do Éden? Pois os artistas são os primeiros homens.”
Barnett Newman

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

CONVITES



Convido a todos para participarem no próximo domingo do Musical Experiência com Deus, a ocorrer na Igreja Batista da Capunga (coladinha ao Colégio Americano Batista), às 19h. A apresentação será feita pelo Coro Jovem da Igreja e contará com orquestração e participações de solistas (ai meu Deus, eu tô no meio!). Não percam!!!
(é possível assistir virtualmente, ao vivo, no site da igreja)




Também estarei participando do Seminário Interseções, com uma comunicação sobre o filme Moulin Rouge (Baz Luhrmann, 2001), nesta sexta-feira, às 16h, no Mini-Auditório 2 do CAC/UFPE. Quem quiser dar uma conferida...

Aliás, por conta deste evento, que prosseguirá durante o sábado nas dependências da FUNDAJ:

ESTE SÁBADO NÃO HAVERÁ SESSÃO DISSENSO!

domingo, 20 de setembro de 2009

PODEM CONFIAR...




Almas Perversas, Fritz Lang, 1945.

É muito gostoso rever meus comentários sobre alguns de meus filmes favoritos espalhados por este blog; palavras feitas assim, de chofre, logo após a descoberta de uma obra-prima... Geralmente acabo escrevendo bem pouco sob uma sensação de impotência, ou pelo contrário, escrevendo demais para terminar não dizendo nada... Acho que vou escolher a primeira opção para me referir a Almas Perversas, um duplo que Fritz Lang filmou um ano após Um Retrato de Mulher (comentado no post de ontem).

O mais curioso é que a maior admiração que nutri por Um Retrato de Mulher veio acompanhada de uma meticulosa racionalidade, pois é um filme a ser pensado e discutido sob inúmeros aspectos, como exemplifiquei no meu texto (aliás, maior do que deveria e tão incompleto por tudo que eu tinha a dizer). Já Almas Perversas, veio assim, e me pegou de jeito, emudecendo minha razão e restituindo a boa e velha capacidade que o grande cinema tem: a de fazer SENTIR.

Almas Perversas é um filme para ser sentido, vivido e experienciado no âmago das emoções. Tudo que eu posso dizer é que, hoje, por 100 minutos eu fui suspenso da minha realidade, perdi totalmente minhas referências de mundo, para acompanhar uma das artes narrativas mais desesperadoras que eu já vi. Sim, Almas Perversas passa a figurar no meu coração como o filme mais cruel que conheço. Uma história desgraçada, personagens malditos, a humanidade no que pode existir de mais vil e degradante, onde sequer a morte pode significar um alívio para a tragédia.

Certamente os ângulos contrastam com os de ontem, pois revelam os mesmos atores (Edward G. Robinson e Joan Bennett nos papéis definitivos de suas vidas), diante de uma situação que também envolve um retrato a ser feito da mulher. Sem dúvida filmes que se confundem entre si, que dependem um do outro como membros de um mesmo corpo, filmes que fazem o próprio cinema depender de criadores como esse camarada chamado Fritz Lang.

Não querendo me prolongar, deixo humildemente um pedido a todos que me toleram por aqui: confiem nesse filme! Sei que meu grito ecoa o desespero dos próprios personagens, mas não posso adotar outra postura no calor do que ainda estou sentindo, pela força com que fui tomado. Em mim, não apenas um dos melhores filmes do ano, mas um dos melhores de minha vida; uma profunda dependência pelo que aí vivi, e que certamente reviverei muitas e muitas vezes.

sábado, 19 de setembro de 2009

NÃO CONFIEM DEMAIS...

Ah, meus senhores, não confiem demais! Basta apenas um sopro para levar embora essa realidade! Não vêem que ela muda dentro de vocês continuamente? Muda assim que se começa a ver, a ouvir e a pensar um tantinho diferentemente de antes; de modo que, o que antes lhes parecia ser a realidade, agora percebem que era uma ilusão. Mas será que há outra realidade fora dessa ilusão?
Luigi Pirandello



Um Retrato de Mulher, Fritz Lang, 1944.

A ambigüidade.

Uma das maiores características do cinema Noir. Seja pelo caráter de seus personagens ou nas ações que eles provocam, a ambigüidade é o núcleo de toda as narrativas desse escorregadio estilo cinematográfico. E é através dela que pelo Noir tocamos no núcleo do que se entende por intenção artística, sempre imbuída de uma abertura que não permite a certeza pelo certo ou o errado, o direito ou o avesso, a verdade ou a ilusão. No Noir, tais contornos se diluem.

As inquietações de Pirandello, homem que externou como poucos o desespero pela incerteza da arte, ao se dirigirem àquilo que move um objeto estético, alcançam muito apropriadamente o interesse do Noir, e porque não afirmarmos, o universo específico de Um Retrato de Mulher, filme que centraliza diversos dos aspectos do gênero, sendo capaz de subsistir como um referente ímpar do mesmo.

O filme de Fritz Lang (autor de quem venho me aproximando com mais intimidade e que tem se revelado uma verdadeira mina de ouro para se entender o Noir) é impulsionado por um irresistível ponto de partida: a paixão de um homem por uma obra de arte em que figura uma belíssima mulher e seu conseqüente encantamento com a modelo que inspirou o retrato. Desde o início fica estabelecido o domínio da ilusão, do amor não pela carne, mas pela imagem desta; do fascínio não pela realidade, mas pela verdade que sua representação origina.

É a partir desse pathos que seremos conduzidos a uma intrincada teia que culminará num crime. Mas não é exatamente no enredo que eu pretendo me fixar aqui, pois ele deve ser bem guardado para os que escolherem ser cúmplices de Lang. O que me interessa, na verdade, é destacar alguns elementos que justificam o lugar de Um Retrato de Mulher, não apenas como exemplo maior do Noir, mas como catalisador de questões centrais ao obscuro lado ilusório da arte.



O Ângulo acima, pelo cenário que abriga o momento do crime, indica algumas recorrências estruturais da própria diegese filmada. Aliás, não posso conter o espanto diante da construção espacial que Lang confere à totalidade dessa obra, que eu não poderia jamais conseguir sintetizar em tão poucas palavras (nem mesmo em muitas...)

Primeiramente, numa leitura que almeja pelo que nos é mais próximo dentro da imagem, vemos a averiguação do corpo abatido, a verificação de que há realmente uma passagem da morte nesse lugar. Muito mais do que o próprio ato sobre o cadáver, vemos o reflexo direto no espelho em frente do vulnerável professor apaixonado, que por sua paixão nos parece inocente, um ser deslocado no lugar e na hora errados. É a especularidade daí surgida que nos leva a perceber com maior ênfase o labiríntico e sedutor contorno da grande lareira que emoldura toda a situação. Figura (labiríntica) que não abandonará a visualidade até o final do filme e que concentrará em si, muitos dos significados enganosos e ambíguos que nos envolverão a partir daí. Por fim, na extremidade da imagem, a sobrevivência da mulher apavorada, paralisada não mais para inspirar uma pintura, mas para inspirar em nós o mais profundo medo pelas conseqüências do assassinato.

É engraçado, cruelmente engraçado, como a presença da mulher orienta toda nossa emoção no decorrer da intriga. Alguns minutos antes dessa cena, a vemos entrar nesse ambiente pela primeira vez, contornando toda a dimensão da sala para acender continuamente três abajures que iluminarão o lugar (nenhum ângulo daria conta do poder que sua presença emana ao movimentar-se pelo cenário). Agora, passado o momento da violência, ela permanece acuada, impotente, cedendo ao próprio espaço o poder que outrora pertenceu ao seu corpo. E é dessa forma que seremos conduzidos até a última imagem de Um Retrato de Mulher, num desequilíbrio entre os corpos e os soberbos espaços Languianos, desequilíbrio especular à própria alma de seus personagens, que pendem entre o crime e o castigo, sem nenhuma esperança de inocência.

O labirinto da imagem, por nunca mostrar seu início e seu fim, ou seja, o ponto de contato entre o chão e a lareira, centraliza toda a configuração narrativa de Um Retrato de Mulher, obra que parece mesmo ser desprovida de um início e um final, já que ambos são relegados a um segundo plano diante de todo o entreato em que o filme vigorosamente se sustenta. Assim como nunca sabemos qual o caminho para o fim de um labirinto, a certeza de uma saída e de uma luz apaziguadora não é o objetivo de Fritz Lang, por mais que seu final tente nos enganar. Seus personagens, como nós, habitarão para sempre um entre-lugar que toca o sonho e o despertar, a ilusão e a realidade, comprovando a ambígua apreensão que o Noir abstrai do mundo.

Sem tirar o pé da ilusão, ancoro-me nas palavras da profª e amiga Maria do Carmo Nino, quando ela afirma que “mesmo que sem dúvida haja uma angústia do labirinto, pode-se falar também do prazer da sensação de perda. Existem labirintos que também são felizes.” O de Lang é um deles.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

SESSÃO DISSENSO



Neste sábado (19/09), às 14h, no Cinema da Fundação, o Cineclube Dissenso, em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) exibirá o longa Precauções Diante de Uma Puta Santa (1971), do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder. Precauções retrata uma equipe de filmagem isolada em um hotel na costa da Espanha que, enquanto espera a conclusão dos trabalhos, se depara com problemas técnicos e financeiros, enquanto desenvolve relações marcadas pela disputa pelo poder, paixão, desespero e solidão. Após a sessão, acontecerá debate aberto ao público.

Expoente do Novo Cinema Alemão, Fassbinder dirigiu mais de 40 filmes, sendo apontado como um dos mais controversos e criativos artistas alemães. Da sua extensa cinematografia, o diretor é conhecido por filmes como Lola, O Medo Devora a Alma, As Lágrimas Amargas de Petra von Kant e O Desespero de Veronika Voss.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

NOSSO HOMEM EM HAVANA


Nosso Homem em Havana, Carol Redd, 1959.
Baseado em livro de Graham Greene.

Novo post no MAKING OFF.

Pacato cidadão britânico que reside em terras cubanas é recrutado pelo governo de Londres a trabalhar como espião. Sem nenhuma experiência, ele aceita o serviço apenas interessado no bom dinheiro que receberá. Ao enganar seus chefes, inventando situações mirabolantes de espionagem, termina envolvendo-se numa intriga real que poderá custar-lhe a vida.



Numa das cenas mais envolventes de Nosso Homem em Havana Alec Guiness propõe um jogo de damas onde as peças do tabuleiro são substituídas por pequenas garrafas de bebida, onde cada peça ‘comida’ deve ser igualmente ‘bebida’ pelo participante do jogo. É óbvio que tal peripécia se dá por conta de seu desejo em ludibriar o adversário, deixando mesmo que ele ganhe a partida para se embriagar e sair do caminho. Mas não é difícil perceber nesse episódio uma síntese de todo universo instituído por Carol Reed para o desenrolar de seu filme. Deliciosamente tomado pelo mais refinado humor britânico, essa é uma obra que também joga conosco seduzindo-nos com uma infinidade de piadas e toques cômicos que em muito se assemelham às pequenas garrafas de bebida. É incrível como somos conduzidos ininterruptamente a territórios de ameaça constante, seja em nível ideológico ou mesmo no perigo de uma violência física; sem nunca, nunca tomarmos consciência plena de tudo que Reed abrange sob a aparência da despretensão. A destilação do humor atenua os verdadeiros interesses de um filme como Nosso Homem em Havana, principalmente pelo arriscado caráter político que a trama desenvolve, dissolvido, mas presente da primeira à última imagem do filme. Assim, o que nos resta é um cúmplice envolvimento, uma embriaguez responsável pela revelação da verdadeira faceta do cinema de Reed, dando continuidade a um projeto que lhe é coerente a mais de uma década. Como todo jogo exige, daqui só poderá sair um vencedor, e este é: Carol Reed.

domingo, 13 de setembro de 2009

BAIXEZA / A ABSTRAÇÃO PELO NOIR

Tentando desesperadamente se reaproximar de um antigo amor, Steve Thompson retorna a Los Angeles. Descobrir que Anna agora pertence ao submundo do crime não é fácil, mas ele está disposto a tudo para reconquistá-la. Percebendo o interesse recíproco, envolve-se no planejamento de um mirabolante roubo a um carro blindado, colocando em jogo a vida do próprio pai.

Quais os limites da moralidade quando se ama?

É possível falar de amor quando o humano nada mais revela senão a face obscura de sua alma?



Baixeza, Robert Siodmak, 1949.

Novo post no MAKING OFF.

Em comentário ao trabalho de Robert Siodmak, o amigo Ranieri disse estarmos diante de um cineasta que “se abstrai pelo Noir”. Bela e verdadeira observação. Baixeza, uma das mais impressionantes incursões do diretor ao estilo, comprova em vários níveis essa certeza, desde sua narrativa e os temas que a compõem até a configuração final do mecanismo cinematográfico como aí vemos se desenvolver.

Em primeiro lugar, é muito importante termos em mente que Siodmak preocupa-se antes de tudo em contar uma história de amor. Isso mesmo. Uma boa e simples história de amor, que tão bem poderia nomear seus personagens como espécies de Romeu e Julieta, mas dentro de um âmbito escorregadio, inseguro como todo bom Noir deve ser. O amor, nesse terreno, não fica distante do que Shakespeare idealiza, mas talvez não almeje ser absoluto como aquele, pois a pedido da fórmula do Noir, seus personas não se assentam em apenas um lado da moeda, podendo às vezes esse amor ser sentido em momentos de profundo ódio. O mais abstrato dos sentimentos torna-se assim a mola propulsora do cinema de Siodmak, carregando Baixeza com um grau de incerteza que não se dissolve, mesmo quando já estamos certos de para onde estamos sendo conduzidos à medida que nos aproximamos de seu desfecho.

É o amor quem definirá o rumo do jogo, quem dará as cartas e terá maior poder para dominar cada uma das situações traiçoeiras a que somos apresentados. E é em nome do amor que Steve Thompson (um Lancaster milagrosamente fotografado) aceitará participar do golpe, antológico mecanismo de Siodmak que atesta o grau de abstração a que ele submete sua maneira de olhar o mundo. [destaque para as espantosas contribuições da trilha sonora -Miklós Rozsa- e da fotografia -Franz Planer-, pois ambas contribuem para esse sentido do inominável como Siodmak provoca]



O ângulo acima representa bem o trabalho do cineasta: o momento da explosão planejada anterior a um confuso Steve que não mais conseguirá enxergar um palmo à frente; um instantâneo de uma imagem rompida, invadida por um clarão que definitivamente abstrai a própria concepção de imagem, de realidade cinematográfica como o cinema clássico tem por costume apresentar. É a partir daí que a imagem compactuará com a incerteza de Steve, prosseguindo rumo ao desaparecimento sempre que lhe acometer uma perda dos sentidos.

O esfumaçar do ambiente, além de confundir os personagens / espectadores, aciona assim um novo estado narrativo, de liberdade intensificada, pois de mãos dadas a uma impressão onírica que nos acompanhará até o agônico encerramento. Baixeza configura-se enfim como um cinema nublado, um cinema que só pode externar seus contornos a partir de uma descontinuidade visual, esmagando a humanidade até que sobre apenas sua face mais vil, torturando o cinema em sua condição primeira de tornar visível; pois apenas pelo evanescer das formas poderemos vislumbrar o mais puro estado da arte.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

SESSÃO DISSENSO



Jan Svankmajer, cineasta tcheco que completou no último sábado, 75 anos, se tornou uma das maiores personalidades do cinema contemporâneo por conseguir empreender em suas obras uma atmosfera surrealista marcada por uma posição política ferrenha. Desde sua estréia no cinema em 1964, realizou dezenas de curtas e cinco longas, sempre inserindo uma refinada combinação de elementos teatrais, em particular de fantoches, live-action e técnicas de animação. Sua produção é tida mundialmente como referência no uso do stop motion.

O panorama da sessão será composto pelos curtas Dimensões do Diálogo (1982) e Flora (1989) e pelo longa Fausto (1994). A entrada é franca e após as exibições será realizado debate aberto ao público.

sábado, 5 de setembro de 2009

MEU CORPO É PALAVRA

Eu poderia fazer poesia.
Poderia copiar aqui minha dissertação.
Mas há um poder na imagem que não pulsaria.



É quando a dissertação vira tela.
Meu corpo colando-se aos papéis que não findam.
Quando vejo eu e não encontro outro estar que não seja prostrar-me.



A carne tornando letra.
Borrando o indistinto movimento do gesto, do intelecto.
Sem margens para recorrer, sem tempo restante. Apenas em confusão de matérias:



Mas a luz surge.
Sem telas, palavras, cores, papéis.
Onde somos tudo e me basta ser: IMENSO.


Jackson Pollock (pintor) e Hans Namuth (fotógrafo), 1950.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

AMARGA ESPERANÇA


Amarga Esperança, Nicholas Ray, 1948.

Novo post no MAKING OFF.

A produção é baseada em um livro de Edward Anderson e conta a história do romance entre os jovens Bowie e Keechie.

Ao fugir da prisão com dois outros comparsas, o rapaz acaba conhecendo a moça em um refúgio, e logo se cria uma identificação entre eles. Ele quer provar sua inocência e ter uma vida calma com a namorada, mas é convencido pelos companheiros a praticar uma série de crimes passando a ser considerado pela polícia o líder do grupo.

Após um assalto a banco com os outros fugitivos, Bowie escapa e acaba se casando com Keechie. Mas as coisas nem sempre funcionam para o casal, pois o jovem é procurado não somente pela polícia, mas também pelos ex-companheiros que querem sua ajuda para um novo trabalho.

Como manter o amor diante da violência? Como preservar a esperança?

Os responsáveis pela R.K.O. esperaram muito tempo antes de distribuir esse filme, que, apesar do êxito que teve na Europa, chocou o público norte-americano e deu um prejuízo de 445.000 dólares à empresa.

Parece difícil entender a incompreensão do público americano diante desse filme, principalmente porque Nicholas Ray lida com uma trama profundamente americana, enraizada no que havia de mais problemático e crítico em seu país naquele período. Um filme americano que não foi recebido pelos seus.

Hoje, para mim, é ainda mais difícil entender o contundente descaso que o filme encontra junto aos que pensam cinema, e que o celebram apenas como ‘o primeiro filme de Ray’. Sem dúvida, isso deve ser lembrado, mas há muito mais... Há Cinema na mais pura concepção do termo, precisando mais que nunca ser recebido pelos seus.

Não foi por acaso que Godard elegeu Nicholas Ray como a expressão mais pura do Cinema. Na verdade, seu Acossado, que sobrevive como uma grandiosa e original releitura do cinema clássico americano, encontra em Ray e especificamente em Amarga Esperança, um dos pontos nevrálgicos de inspiração criativa. O casal de Godard já respirava no casal de Ray, assim como respiraria no frescor do novo cinema americano que viria com Bonnie e Clyde.

Na fragilidade desse casal, encarnado pela jovialidade de Granger e O'Donell, há toda uma fraqueza da própria condição de Cinema como Godard viria enxergá-la. Nicholas Ray usa e abusa desses atores, pedindo-lhes o máximo de inocência no olhar, para construir um Cinema que não é nada inocente, um Cinema que conscientiza o espetáculo de uma forma como a América ainda não estava pronta para encará-lo.

Uma das frases ditas ao desesperado protagonista no fim de sua jornada pode mesmo ser vista como a máxima de toda a carreira do desesperado Cinema de Nicholas Ray:

“Não te posso vender esperança quando não há nenhuma.”