Registro abaixo minha colaboração no livro, com o intuito de despertar, nos que por aqui passam, alguma boa curiosidade pelo que o livro guarda.

Já se disse que
a morte é o obstáculo. E contra ela se levantam as vozes, os gestos, movimentos
que confrontam a passividade do estar no mundo. Derradeira, vem da morte o
grito, esta força que faz do verbo a terra, e que nele encontra o fértil
caminho da expressão. Coisa que não cala. Contradição. Há na palavra um
silêncio, ecoado aqui por Inaldo Tenório, sobrevivente, homem que grita no
pulso, no branco espaço das linhas que ainda não foram, e esperam, ao passar do
tempo, do morrer.
Nesta reunião de contos, primeira de
um autor que faz da prosa seu desafio, um concentrar de expectativas
aliançadas, regidas por tema dos mais humanos, contempladas em tênues linhas de
narrativa que não se contentam com o luto. Inaldo sabe com o que não se deve
brincar. E por isso a morte não lhe vem como em tempo futuro, como em medo, mas
gloriosa ressurge como coisa que passou e venceu, que de certa forma ficou,
pedindo agora lugar para fazer valer a dor. Se os contos de Inaldo oferecem
esta morada, entre personagens, situações e reflexos que jamais abandonam o
estranhamento do fim, é porque no tempo de sua escrita reafirma-se um laço
natural do texto imaginativo. Esta convicção do esboço. São suas palavras que
atestam: “Todos estão apresentando um eterno ensaio.” (do conto Ensaio)
É de conto em conto, de tentativa em
tentativa, que este livro toma forma. Da teia de repetições que resulta – pois
se repetem os dias no cotidiano da vida, se repetem os traços no labor da
linguagem –, um livro que nos convida a também resistir ao que de temeroso
ocupa um texto, ao que ameaça. Não se contradiz Inaldo ao abandonar o verso,
ele que vem construindo uma carreira de poesia; e não o faz porque em nenhum
momento abandona o poético. Mas há algo de contraditório aqui. Incongruência
que valoriza. Da assertiva rilkeana de que “é sempre apenas numa contradição
que se pode viver”, Inaldo se alimenta desta incompatibilidade inerente à
criação literária. Daí, as duas perguntas que intercalam o conto Chapéu de Massa importarem tanto para o
entendimento de seu atual projeto: a primeira “Como a beleza poderá entristecer alguém?”, a
segunda “O que queria ele falar com Deus?”.
Perguntas-chave para o livro Meu Pai e Os Outros. Fundamentos de um
olhar. Cada um dos vinte e dois contos aqui compilados compartilha em algum
momento de tais anseios, e se Inaldo não alivia para o leitor esta espécie de
angústia que o atravessa é porque sabe não ser tarefa sua encerrar sombra de
resposta. À semelhança do protagonista de A
Dieta, este é livro cercado de relógios por todos os lados, em qualquer
direção, sempre o espreitar das horas. E por isso a insurreição do autor, o
abraçar de Inaldo por uma prosa que tenta não enganar, mas que ilude, como toda
literatura termina por fazer.
Estão na primeira linha do primeiro
conto estes vestígios de vida. Meu Pai,
lamento que traz os outros, como num cortejo. Reverência. Paternidade
reconhecida em nomes (da literatura, mas também política, filosofia, religião),
ações corriqueiras ou definitivas, representações de humanidades que permanecem
à beira da vida. E como nas águas que se movimentam no leito deste conto-título
– imagem retomada em diversos outros dos textos –, que passam e não voltam, o
ciclo contínuo de todo o livro reconfigura a experiência global de seu
escritor. Desta morte Inaldo sai não apenas como um sobrevivente, mas como alguém
que ousou tocar o outro lado da vida e não temeu traduzir o toque em verbo.
De minha gratidão por introduzir os
contos que seguem, deixo a palavra amiga, também leitora, de saber este livro
responsável por um novo tempo. Seu tempo, Inaldo. Tempo nosso. Dos que lemos
com você e na insistência do ler, sobrevivemos.