sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

SEJA...

Achei muito tocante. Tem um certo ar abstrato. Faz lembrar a minha infância. /.../
O filme me trouxe essas recordações. Os sons, as imagens...
Sabe, a escuridão que às vezes há em seu imaginário. /.../
Seu filme tocou sentimentos profundos que quase havia esquecido.


Posso usar exatamente essas palavras - proferidas pela personagem de Binoche a respeito do filme realizado pela jovem babá de seu filho - para transmitir um motivo que me leva a não desgrudar de A Viagem do Balão Vermelho. Foi exatamente na seguinte cena que tudo começou em mim:



Ver o menino ensaiando suas primeiras teclas no piano, ao lado de uma jovem professora tão carinhosa, dedilhando exatamente a mesma melodia que eu aprendi quando pequeno, foi o que me fez mergulhar num estado pleno de memória que perduraria por todo filme. As palavras de Binoche apenas confirmam essa coisa gostosa de sentir que para mim é impossível de descrever. Mas que eu não consigo evitar continuar tentando...

A música, no filme de Hsien é um fator incondicional ao seu universo. As trilhas originais (assinadas por Camille) são de uma beleza tamanha que me levam a acreditar que Deus realmente toca piano. Há uma cena, apontada por muitos como definitiva ao cinema de Hsien, que justifica essa minha impressão.

Binoche retoma o piano herdado da mãe, até então guardado no apartamento de seu inquilino, e agora seu filho poderá ensaiar dentro de casa, evitando maiores confusões com os vizinhos. Mas é preciso afiná-lo. O profissional responsável por isso, um jovem cego, faz o serviço enquanto a família continua vivendo sua rotina – o menino jogando vídeo-game, a mãe discutindo com os vizinhos, o diálogo terno entre os dois – e nada interrompe a afinação.





A vida continua com seu ritmo. Mas a música muda. As teclas tocadas pelo jovem cego alteram a harmonia da trilha até então ouvida, mas jamais rompem a harmonia maior, aquela que é vivida. A desorganização dos sons, necessária para a organização deles, inunda o ambiente contribuindo àquela impressão cosmogônica que mencionei no último post, pois é como se um novo mundo se formasse ao som das notas desconexas. A harmonia é outra. O mundo é outro. Mas em nenhum momento a descontinuidade dos sons – e mesmo a angústia quase querida, surgida no entrave dos relacionamentos presentes – produz o caos. Aqui, a criação é mansa. E uma certeza se faz em mim. Se a criação divina foi acompanhada por algum som, eu pude ouvir seu eco...

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