quinta-feira, 6 de agosto de 2009

OS VENCIDOS


Os Vencidos, Michelangelo Antonioni, 1953.

Novo post no MAKING OFF, em parceria com o amigo xKojakx.
(valeu mesmo meu caro, o trabalho foi uma delícia de fazer)

SINOPSE
Três histórias. Três destinos. Três crimes.
Um reflexo de uma juventude inconseqüente que sobrevive pelo prazer da violência e da impunidade, sem se importar com o sofrimento alheio.

CRÍTICA
A primeira imagem ficcional do filme, passados os 5 minutos introdutórios, abre com uma perspectiva profundamente antoniana. Numa rua qualquer, pois qualquer rua do mundo, um homem pobre atravessa sussurrando uma triste melodia. Cruza a tela até encontrar uma senhora que lhe joga da janela uma moeda. É na residência dessa mulher que se inicia a intriga. Mas mesmo lá dentro, longe da rua e do mundo, ainda poderemos ouvir os ecos do triste canto do homem. Uma cena única. Completa. Melancolia pungente que carrega a imagem e o som com uma realidade maior. Poderia abrir qualquer uma das 3 histórias, ou mesmo qualquer um dos filmes de Antonioni.



Certa vez inquirido sobre o desenvolvimento do neo-realismo em sua obra, Antonioni foi bem claro ao afirmar que não tinha nada contra o movimento, mas que dispensava as bicicletas... Não, ele não estava maltratando De Sica; sua necessidade era apenas expressar aquilo que distanciava/aproximava (pois aí temos uma via de mão dupla) seus filmes da aclamada vanguarda italiana do pós-guerra. O diferencial de Antonioni àquela época consistia justamente na maneira como ele estabelecia a vanguarda, pois sim, ela existia, certamente encontrando raros paralelos na história do cinema, mas numa perspectiva que mesmo ao trabalhar uma realidade suja, de um mundo desencantado, não deixava de se importar primeiramente com a realidade da alma. A realidade pela realidade, como a impressionante abertura documental de Os Vencidos coloca, corre o risco de ser “incapaz de seduzir alguém”.

Não é a primeira vez que Antonioni incorrerá no elemento criminoso para impulsionar a subjetividade de sua câmera. Desde Crimes da Alma a possibilidade do crime e mesmo a factualidade da morte entram em jogo para desdobrar seus personagens em situações de desespero, angústia e solidão. Em Os Vencidos, ao utilizar o crime como um ‘objeto de indagação’ (conceito de Ernest Mandel), Antonioni lida com a morte não pela tragédia, pelo sofrimento da perda, mas pelo âmago do que ele costuma investigar em seus tipos: como eles serão afetados por ela, e mais, como os espaços habitados por seus corpos resistirão ao fim de uma vida.

Como exemplo, podemos nos ater apenas à primeira narrativa do filme, passada na França. Os arroubos dos jovens, a articulação incomplexa do crime, as desavenças dramáticas, tudo é sublimado pela organização do espaço, pela maneira como Antonioni distribui o vigor de seus atores nas locações escolhidas, nos cenários únicos e inesquecíveis. A passagem do centro urbano para a idílica paisagem campestre antecipa o passeio à praia de As Amigas e todo o núcleo visual de A Aventura, o que hoje nos permite enxergar os rascunhos de um artista, já aí tão bem acabados. Ainda rascunhos, pois a sensibilidade temporal que posteriormente se destacaria pela preferência dos ‘tempos mortos’ ainda está contida. Mas bem acabados, pois neles já presente todo o inventário abstrato de uma geofísica vazia, a mesma que um dia seria lembrada por Deleuze como uma beleza de “paisagens desumanizadas”.

A oportunidade de experimentar Os Vencidos, após a consagração de toda uma carreira já bastante difundida, encontra no canto do homem pobre o melhor significado para a própria presença de Antonioni no universo cinematográfico. Um canto humilde, indecifrável, desencantado, mas profundamente audível, incessante, perene. Não deixemos de ouvi-lo.

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