Um casal vai passear em Twentynine Palms.
É isso.
Toda a trama do arroubo de Bruno Dumont se concentra/dispersa nisso.
Não há conflito narrativo, crise dramática, nada que impulsione o espectador a continuar assistindo o filme por mais de 10 ou 15 minutos. Mas no âmago da coisa, o conflito de simplesmente viver.
A região é desértica (meu tesão particular), as estradas constantes (parece moldado pra mim), os corpos abandonados no espaço e à deriva do tempo para que vislumbremos suas reações.
É isso.
Um filme de reações. Do nada ela começa a chorar. Do nada ela começa a sorrir. Do nada ele precisa descer do carro apressado para observar a paisagem. Do nada ela precisa descer do carro para tocar numa vegetação. Do nada eles precisam transar. Do nada eles precisam brigar. Do nada eu me descubro enquanto assisto tudo isso.
Pessoas em reação à vida.
Ao respirar.
Um filme de terror.
Se me obrigarem a enquadrar
Twentynine Palms em um gênero (absurdo e tentador), não hesitarei: é um filme de terror.
São diversos os momentos no decorrer da vivência em que se pressente um medo, um assombro que talvez seja o responsável por me atrair com todo meu fôlego ao universo pintado por Dumont.
Na piscina. Justamente a cena dos mais belos cartazes. A desconfiança pelo quase afogamento. A dolorosa aproximação por trás. Ela tensa. A imagem desconfiada. Minutos que se prolongam em busca do retorno da confiança arranhada. Até que ela se rende. Flutua em seus braços. Mais penetrada pelo amor de acreditar do que em todas as transas do filme.
O acidente com o cachorro. A discussão noturna. O carro que vai e vem enquanto ela está só na madrugada. São tantas as coisas que me despertam o medo... Até que o final chega. E me deixa covarde até mesmo para falar sobre (assistam, é melhor)...
Um epílogo amargo.
Crepúsculo dos mais dolorosos que o cinema já mostrou.
E justamente nele minha certeza da ignorância. De não saber nada.
O que é cinema mesmo???
Não posso me perguntar outra coisa depois de um filme assim.
Ainda enquanto eu assistia
Gerry e era tomado por aquele arrebatamento que fiz conhecido por aqui, eu me imaginava no lugar de um deles, andando, errando/errante por um deserto, sentindo a dor do sol queimando, a fadiga do corpo esgotando, mas no fim de tudo um prazer sem par, felizmente sentido apenas por assistir o filme. Qual não é minha surpresa repentinamente descobrir que realmente me tornei um
Gerry, não num sentido físico, mas num interesse cinematográfico...
Errar por entre filmes. Tocar num e noutro, comer uma pipoca, entreter-se, descobrir raridades, ampliar coleções, filmes, filmes, filmes, filmes... Um deserto de filmes... Ir ao cinema tem sido realmente desértico. Por mais que eu tente tocar, encontrar, ver, é sintomático que minhas mais marcantes experiências com filmes se dêem no recôndito de meu quarto, nas 17 polegadas de meu computador.
Foi no mesmo artigo que me indicou
The Brown Bunny (Vincent Gallo, 2003), pela associação com o deserto de
Gerry (Gus Van Sant, 2002), onde soube pela primeira vez de
Twentynine Palms (Bruno Dumont, 2003).
[percebem que essa errância cinematográfica tem sido muito coerente?]
Outra coisa aconteceu em minha vida.
Assim como em
Gerry a coisa estava lá e foi alcançada, também há uma coisa que ainda precisa ser alcançada no cinema, e desde
Gerry eu tenho chegado cada vez mais perto dela.
Alguns filmes preciosos têm me conduzido por um caminho sagrado.
Twentynine Palms me ajudou a dar um grande passo nesse sentido.
Se ao tocar
Gerry tive a sensação que tinha vivido até ali com o objetivo de um dia tocá-lo, como se naquela hora e meia eu tivesse enfim entendido o significado dessa minha insistência em continuar respirando, ou pelo menos do porquê ter respirado tanto até
Gerry chegar; com
Twentynine Palms pareço ter descoberto qual o motivo para minha respiração futura, no quê posso esperar tocar mais ou como devo deixar que me toquem daqui pra frente. Nele eu descobri o propósito:
EU PRECISO CONTINUAR RESPIRANDO.