Que leitura brilhante! Nas caminhadas sem fim de Gerry e de todos os demais filmes que têm me encontrado, reveste-se uma significação direta da constituição cinematográfica em si, pura. Ao mesmo tempo um reflexo de todo o anseio do humano que não desiste de seguir em frente, de avançar, ansioso por encontrar e tocar a verdade das coisas, possibilidade atingida dentro do cinema através da precisa (re)apresentação do mundo e dos corpos que nele seguem em frente, em frente, em frente...
E é no ritmo das palavras que se repetem que voltamos aos trilhos.
Os trilhos vazios na paisagem vazia que o já vazio personagem insiste em desbravar.
Pressa.
Movimento.
E como não se lembrar dos trilhos primeiros?

As Harmonias de Werckmeister, Béla Tarr, 2000.

A Chegada do Trem na Estação, Auguste e Louis Lumière, 1895.
No lugar da locomotiva um homem.
Sobre ele outro transporte, mais contemporâneo, mais veloz.
A ameaça é maior.

E se no mesmo debate também nos remetemos às referências bíblicas que inundam o cinema de Tarr, com a evidente associação do grande peixe de Jonas e a baleia de Werckmeister, pois ambos (o peixe e a baleia) cumprem o papel de transformação interna do personagem, para o bem ou para o mal, não posso deixar de mais uma vez citar a Bíblia, nas palavras de Jó (livro que nos capítulos 40 e 41 também se refere a um grande monstro marinho, do hebraico beemote, popularmente lembrado como o Leviatã):
“Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem.”
São as palavras de um homem que após um longo martírio compreende a grandeza de Deus. Palavras que poderiam ser proferidas pelo protagonista de Tarr, ainda que todo seu trajeto tenha apenas o aprofundado ainda mais no sofrimento. Palavras que eu posso sim declarar após uma experiência cinematográfica como essa.
Pois na baleia do filme a manifestação de Deus.
Um Deus que no final é esquecido, abandonado em praça pública sob a névoa da guerra (assim como os trilhos dos Lumière), mas que não se permite morrer na memória de quem o viu.
O niilismo de Tarr ironicamente me traz esperança.
Pois não há expectador de cinema que não possa ser Jó, que não possa repetir suas palavras sob o mesmo deslumbre, a mesma graça de enfim contemplar o que não poderia ter alcançado de outra maneira.
Graças ao cinema meus olhos vêem.
Perdi essas palavras porque não fiquei para o debate. Infelizmente, já disse, tinha uma viagem.
ResponderExcluirMas espero outras chances...
Nem imagino o que possam ter dito sobre o filme... já que minhas impressões podem não se confundir com a de outros...
Mas... o movimento, sim... as caminhadas...