sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

TOP FILMES 2010

Bom, não dá pra encerrar um ano sem fazer minha listinha de melhores filmes vistos durante os últimos 365 dias, né... Da razoável quantidade de filmes neste ano (272) limitei-me a uma indicação de 20 títulos que, sem dúvida, definiram meu 2010, na minha forma de olhar e de encarar não só o cinema mas toda a minha vida. Ao elaborar a lista fiquei tentado a incluir mais filmes (pelo menos uma dúzia), mas senti que deixar nos 20 era suficiente, pois foram justamente estes os que mais conseguiram me tocar, num contato de corpo mesmo, de memória duradoura, inabalável.

Como fiz no ano passado, agrupei tudo numa só lista, sem me importar com ano de lançamento ou situação em que foram assistidos. São pura e simplesmente os melhores filmes que descobri durante 2010, um ano que, num balanço geral, não foi dos mais importantes para minha cinefilia, mas que soube deixar suas marcas. Como o propósito de toda lista, espero que os amigos aproveitem algumas dicas e vivam seus próprios gozos.

Aproveitando o encerramento do ano, deixo meu obrigado a todos que continuam acompanhando O ÂNGULO EM MIM, apesar da diminuição no ritmo de atualizações... Foi um ano corrido, mas apesar de saber que 2011 promete ser ainda pior (digo, melhor) pretendo muito retornar uma atenção mais especial a este cantinho querido. 2011 que nos aguarde!


1º Moisés e Arão + Uma Visita ao Louvre (Jean-Marie Straub & Danièle Huillet, França/Alemanha/Itália, 1975/2004)

+
Epifanias que de tão intensas machucam os olhos.
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2º O Mundo Vivente (Eugène Green, França/Bélgica, 2003)

É preciso sonhar com o impossível.
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3º Edvard Münch (Peter Watkins, Suécia/Noruega, 1974)

É preciso saber acordar depois de um sonho.
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4º O Segredo Atrás da Porta (Fritz Lang, EUA, 1948)

Porque a coragem de se enxergar é uma dádiva.
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5º Esculturas de Sofu - Vida (Hiroshi Teshigahara, Japão, 1963)

Não há arte maior que o mundo.
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6º A Última Sessão de Cinema (Peter Bogdanovich, EUA, 1971)

Tornar-se adulto é render-se ao nostálgico.
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7º Paris nos Pertence (Jacques Rivette, França, 1961)

E fazer um filme é vencer uma guerra.
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8º A Última Gargalhada (F. W. Murnau, Alemanha, 1924)

Há risos que doem.
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9º Chamas que Não se Apagam (Douglas Sirk, EUA, 1956)

Há lágrimas que amam.
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10º Lola Montès (Max Öphuls, França, 1955)

Porque além do vermelho não há cor.
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11º Um Filme Para Nick (Wim Wenders, Alemanha/Suécia, 1980)

Porque além do vermelho não há fôlego.
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12º A Viagem do Balão Vermelho (Hou Hsiao-Hsien, França/China, 2007)

Porque além do vermelho não há sentido para uma imagem.
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13º Lábios Sem Beijos (Humberto Mauro, Brasil, 1930)

E capturar uma imagem é questão de pele.
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14º Mercado Humano (Anthony Mann, EUA, 1949)

Não se pode trapacear o medo.
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15º Por Uns Dólares a Mais (Sergio Leone, EUA, 1965)

Porque o deserto ainda me chama.
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16º A Hora do Lobo (Ingmar Bergman, Suécia, 1968)

Concretizando os pesadelos perdidos.
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17º A Um Passo da Liberdade (Jacques Becker, França, 1960)

Libertando os últimos medos escondidos.
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18º Maridos e Esposas (Woody Allen, EUA, 1992)

Não há mundo maior que um close.
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19º Pai (István Szabó, Hungria, 1966)

Da memória de um trauma, nasce o amor.
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20º Fuga Para Odessa (James Gray, EUA, 1994)

Porque é preciso continuar olhando.
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Menção Honrosa: Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, Brasil, 2010)

Para encontrar imagens que me emancipem.

sábado, 25 de dezembro de 2010

TOP LIVROS 2010

Apesar de, em 2010, Clarice Lispector ter reinado absoluta em minha vida, optei por não acrescentar nenhum título da autora neste top porque pretendo, em breve, elaborar um somente pra ela, quando completar a leitura de toda sua obra (o mesmo vale para Hilda Hilst). No geral, tudo que li não relacionado à obra clariceana terminou limitando-se a experiências mais discretas do meu ano, mas que, não poderia ser diferente, também me inspiram no compartilhar e recomendar as que foram melhores aos amigos que por aqui passam.

1º LUGAR: DE PROFUNDIS (OSCAR WILDE)

A polêmica carta de Wilde, escrita na prisão, sem dúvida foi meu grande incômodo do ano. Texto afiadíssimo, lançou-me numa amargura sem tamanho, entre questionamentos que só uma verdadeira obra de arte é capaz de provocar. De profundo interesse moral, Wilde não abandona em nenhum momento uma perspectiva cristã da estética, o que me permite uma identificação ainda maior com seu texto, numa renovação de minha própria fé e do lugar de Cristo em minha vida. Para ler de joelhos, tanto pela reverência quanto pelo martírio da dor.

2º LUGAR: A MORTE DE IVAN ILITCH (LEON TOLSTOI)

Incluiria facilmente esta caso resolvesse elaborar um Top Novelas da Minha Vida. De uma objetividade cristalina, a narrativa de Tolstoi foi o momento de luto supremo de meu 2010. Um livro sobre a morte de nós todos e a agonizante vida que a antecede, um enfrentamento, um consciente encarar de nossa debilidade e fraqueza, que, como em Wilde, não pretende aliviar minha dor de viver.

3º LUGAR: A TRANSPARÊNCIA DO TEMPO (FABIO ANDRADE)

Vencedor do Prêmio concedido pela Fundação de Cultura do Recife, o novo livro de Fabio Andrade (professor, amigo e exemplo) também me venceu por sua sensibilidade na maneira como levou-me à dor. Pois é do tempo a dor, e do poético a cura. Cada verso seu, cada silêncio e cada poema, ajudaram-me, em diversos sentidos, na conscientização do tempo em um domínio que transcende o cronos, mas que o subjuga para fazer da vida um breve eterno momento de alegria.

4º LUGAR: O CORPO IMPOSSÍVEL (ELIANE ROBERT MORAES)
Originalmente sua Tese de Doutorado, venho utilizando o livro de Eliane justamente para a pesquisa de minha Tese. Dentro dos diversos aspectos da Modernidade abordados, destaca-se o interesse pela fragmentação do corpo. Gosto muito da fluência de sua escrita, da leveza na erudição latente e alguns dos capítulos li como se estivesse com uma boa ficção em mãos!

MENÇÃO HONROSA: CREPÚSCULO / LUA NOVA / ECLIPSE (STEPHENIE MEYER)

E como já tinha comentado AQUI, não posso ser hipócrita e ocultar o prazer que me foi acompanhar a saga de Stephenie Meyer durante 2010 (a última parte guardei pro ano que vem). Digam o que quiserem, nada é comparável ao descompromisso e diversão que um bestseller oferece, e não tenho nenhuma pretensão de comparar produtos assim a livros como de Wilde ou Tolstoi (eu não sou tapado, né); só não podia deixar de fazer esta menção a livros que de certa forma resgataram em mim outro tipo de prazer pela leitura, em muito responsável por hoje ter me tornado um homem de letras.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

ENIGMAS

E não é possível falar de Antonioni e Pintura sem lembrar De Chirico, uma das maiores recorrências visuais de todo universo metafísico do cinema que amo. E eu me perco aqui, entre estes dois seres esmagados, reduzidos à sombra que são, ao disforme de sua presença, numa cidade que é deserto, num lugar em que só há espaço para mais de meu vazio.


O Enigma de uma Chegada, 1912.

“Mais que seres vivos, isso que entendemos como seres vivos, homens ou cavalos, [os personagens de Chirico] parecem objetos inanimados, mais mortos que os mortos, mas que retomam de forma estranha e da maneira mais surpreendente algumas prerrogativas da vida.”
Georges Ribemont-Dessaignes

“Por certo, não é a vida humana que se afirma nas telas de Chirico, mas a vida das coisas.”
Eliane Robert Moraes



A Nostalgia do Infinito, 1914.

“É essencial que o pensamento se separe de tudo que nós chamamos de lógica ou significado, que se coloque em tal distância dos grilhões da humanidade, que as coisas apareçam sob uma nova luz, como se iluminadas por uma constelação ofuscante.”
Giorgio de Chirico



O Enigma de um Dia, 1914.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

ANTONIONI, PINTOR

O lado mais curioso da minha experiência pictórica é que, quando pinto, não me sinto como um pintor.

Quando começo a executar estas pequenas pinturas, elas parecem-me imediatamente insuficientes. É por essa razão que pensei também em fotografá-las e depois ampliá-las: até certo ponto, pensei que era inconcebível que fossem obras minhas.



Retrato, Michelangelo Antonioni.

Eu só pintei enquanto criança, mesmo que nessa altura eu só preferisse pintar caras, a da minha mãe e a do meu pai ou a de Greta Garbo. Mas nunca pintei a minha, uma vez que não me posso ver.

Há alguns anos pintei outras caras, as de desconhecidos e de amigos imaginários. Cortei uma dessas pinturas em pequenos pedaços e depois recontruí-a. o resultado foi uma montanha e foi assim que comecei. A partir daí, deixei-me levar pelo entusiasmo. Experimentei tal sensação de liberdade e um sentimento de alívio de já não ter que lutar com problemas ou idéias que quando comecei a pintar senti que nunca mais deixaria de o fazer.



As Montanhas Encantadas, Michelangelo Antonioni.

A alegria de trabalhar, a alegria da tranqüilidade ou do equilíbrio, como Gide definiu.

O processo das “Montanhas Encantadas” consiste totalmente na ampliação. É ampliação que revela em pormenor o material invisível da pintura original. É um processo semelhante ao que surge em “Blow Up”. Além disso, foi uma experiência muito interessante para mim enquanto realizador, mesmo que nunca me tenha ocorrido que tomei parte do mundo da arte, porque não sabia dizer a que forma de arte eu poderia atribuir estes objetos.

Se é verdade que por escrevinhar em pedaços de papel eu escapei do cinema, também é verdade que de alguma forma me aproximei dele através da ampliação fotográfica.



As Montanhas Encantadas, Michelangelo Antonioni.

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Imagens digitalizadas a partir do livro Michelangelo Antonioni: A Investigação, organizado por Seymour Chatman & Paul Duncan (Taschen, 2004).

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UMA LUZ NO INÍCIO DO TÚNEL


Gradiente Luminoso, Jan Krüger, 2009.

É muito fácil enxergar na última década um interesse do cinema no sentido de uma reintegração do homem com a natureza. Dentro do significativo número de produções que colocou em cena o rompimento do humano com o mundo encontramos um nicho específico de filmes que tem como tema comum a errância de dois indivíduos masculinos numa relação entre si e com o espaço. Do meu querido divisor de águas, Gerry (Gus Van Sant, 2002), a filmes mais conhecidos, Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul, 2004), Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005), ou menos conhecidos, Old Joy (Kelly Reichardt, 2006), vêm à memória diversos títulos que ajudam a entender o cinema deste início de século, em sua perspectiva conciliadora, restauradora de uma comunhão perdida, numa espécie de avesso do que os primeiros cinemas constataram em sua forma de registrar o mundo.

Em continuidade a este projeto do olhar e do narrar, deparo-me com Gradiente Luminoso (Rückenwind), filme que dá mais um passo na interação dos filmes citados, finalmente sem o temor de abordar a sexualidade dos protagonistas como algo que, naturalmente, também não é temido por eles. À medida que o desinibir dos corpos se dá, na nudez e na intimidade deles, fico me perguntando se realmente já é possível verter esse tipo de tratamento ao que filmes como Gerry iniciaram na investigação cinematográfica contemporânea. O que, para muitos, poderia representar uma quebra de paradigmas, uma derrubada de tabus, prefiro encarar como um novo problema a ser discutido, pois se os jovens filmados pelo alemão Krüger já não experimentam da ambigüidade em seu relacionamento, o mesmo não pode ser dito das imagens em si que materializam o filme. Tantos disseram que naqueles filmes (Gerry, Mal dos Trópicos, Brokeback Mountain, Old Joy) o sexo era a chave de resposta, a espécie de luz no fim do túnel; assistindo Gradiente Luminoso percebo que ainda não conseguimos nem entrar em túnel algum.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

UMA SÓ SOMBRA




Floresta, Piotr Dumala, 2009.

Dois homens. Dois tempos. Dois espaços. Dois destinos ligados por um sincero e profundo interesse de, com os corpos e sombras em cena, se fazer cinema.

O primeiro longa-metragem do polonês Piotr Dumala, autor consagrado de curtas de animação, é um renovo de esperança. Sua sensibilidade e maestria podem ser sentidos a cada movimento, a cada deslocamento desta relação paterna que o filme acompanha como se estivesse única e perpetuamente condenado a isso. Pai e filho que guardam uma semelhança constrangedora com aquele maior momento de Sokurov, em Mãe e Filho (1997), e que não consigo deixar de guardar como se fosse um verdadeiro prosseguimento àquele, já que mais íntimo do que a própria sequência assinada pelo russo.

Não se explicam os tempos. Se num momento vemos os dois homens vagando pela floresta com vigor e noutro acompanhamos uma agonia fúnebre pela finitude do ancião, não somos levados com isso a determinar existências passadas ou presentes. Os momentos independem de contigüidade para coexistirem como duas realidades próprias, fluidas, unidas em algum domínio que não podemos determinar, mas que se faz sentir pelo ritmo harmônico das imagens.

No contato dos homens eles se fundem
Na latência das carnes se amam
E tornam-se uma só sombra.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

ESPECIAL WALTER HUGO KHOURI - FILMOLOGIA



Falaremos aqui em imagens no cinema de Walter Hugo Khouri, no desejo incontrolável, eterno e vazio de seus personagens, nas suas narrativas rigorosas e repletas dos ditos “tempos mortos”, das montagens que obedecem aos estados emocionais de seus personagens, dos seus incontáveis Marcelos-alter-egos, de seus excessos, seus defeitos. Em seu desejo por desejos, passado aos personagens, desejo por imagens impossíveis de serem encontradas e tocadas, falamos em imagens sobretudo vivas cinematograficamente. Em nossas mãos pudemos ter, mesmo que nos escapasse a toda hora pela inconstância do registro já gasto que o tempo deseja apagar, o contato e o toque deslumbrante com o cinema de Walter Hugo Khouri. Espero que aproveitem essa nossa experiência deliciosa e traumática na mesma força e medida em que ela se deu em nós.

Edição Especial #02 Walter Hugo Khouri

ACESSE AQUI

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O NASCER DAS FACES







O Silêncio da Noite, Nicholas Ray, 1950.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

EUROPA 2005 - 27 DE OUTUBRO (STRAUB & HUILLET, 2006)

5 movimentos repetidos. 1 memória-protesto.
Poucas palavras: CÂMARA DE GÁS / CADEIRA ELÉTRICA



Postagem no MAKING OFF

Curta encomendado para a TV italiana pelo produtor Enrico Ghezzi em caráter comemorativo ao centenário de Roberto Rossellini. Instigados a desenvolver um movimento fílmico baseado na vida e na morte da personagem de Ingrid Bergman em Europa '51, os Straub rememoram a morte de dois jovens parisienses (Bouna e Zyed) em2005, quando, perseguidos pela polícia, refugiaram-se no alto de uma torre com tensão elétrica e foram incendiados até a morte. Três semanas após a tragédia, a periferia de Clichy sous Bois foi depredada em forma de protesto, decorrente de uma série de motins populares que se rebelavam contra as tropas de choque francesas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

POÉTICA DA DECISÃO


O Viandante, Straub & Huillet, 2001.

Postagem no MAKING OFF



O Amolador, Straub & Huillet, 2001.

Postagem no MAKING OFF

Extraídos de Sicília! (um dos meus favoritos da vida), consistem em cortes de cenas do longa de 1999. Poderíamos muito bem chamá-los de fragmentos, mas diante da postura criativa dos diretores, ao torná-los novos objetos finalizados e distintos do todo anterior, já não cabe neles tal desígnio. Destituída sua função de parte, cada cena (belíssimas) se reconfigura alcançando uma nova totalidade, consequentemente, um novo efeito estético. Gosto muito de pensar este tipo de ação por parte dos Straubs como decorrente de uma Poética da Decisão, considerando-se que para concretizar estes curtas e incluí-los como itens individuais de uma carreira, a única ação do casal foi decidir, estabelecer um novo ponto de término e fim.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

OUTUBRO, STRAUBIANO OUTUBRO


Entre O Hoje e O Amanhã, Straub & Huillet, 1997.

domingo, 10 de outubro de 2010

AVENIDA BRASÍLIA FORMOSA

Crítica originalmente publicada na Revista Eita!, Fundação de Cultura do Recife, Agosto de 2010.

Filme com sessão Avant Première no 14º Encontro SOCINE, Cinema da Fundação.




O LUGAR DA ARQUITETURA


A imagem que abre Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, Brasil, 2010) é bastante simples: num plano fixo, ao som de um hit brega, contempla-se o exterior de algumas residências da comunidade Brasília Teimosa; as construções aglomeradas não passaram pelo acabamento adequado de um reboco ou pintura; o que vemos são tijolos, um pequeno contorno do céu, a ponta de uma frágil árvore e um poste com suas fiações emaranhadas por uma rabiola perdida. Talvez nenhuma outra imagem, em todo o filme, apesar de existirem outras cenas equivalentes, traduza tão plenamente o que o jovem cineasta Gabriel Mascaro faz em sua nova experiência com o cinema. Aliás, ‘experiência’ é um termo finalmente bem-vindo ao cinema de Mascaro, que já demonstrara ser capaz de acrescer fôlego ao renovado cinema que Recife vem construindo.

Com esta imagem somos de imediato apresentados não só ao universo de Brasília Teimosa, mas ao interesse que Mascaro enfatiza pela arquitetura de um lugar. Se em seu filme anterior, Um Lugar ao Sol (Brasil, 2009), as colossais construções dos arranha-céus constituíam o núcleo de abordagem, agora o que temos é um avesso, muito mais do que social, um avesso do espaço, das condições físicas que levam um lugar ao enfrentamento da transformação. É curioso como o sentido da arquitetura coaduna-se ao projeto de Mascaro, seja na individualidade de seus filmes, como na progressão deles. O paralelo que propomos é justamente o do arquitetônico enquanto meio significante do cinema aqui realizado.

Em Um Lugar ao Sol, por exemplo, a exploração do registro documental não escapa às limitações do gênero; tudo está muito bem recortado, logicamente interligado, como se o engessamento da série de entrevistas surgisse em reflexo à perfeição das mega-construções (apesar de as cenas em que os prédios falam serem de impacto superior ao das entrevistas em si). Já em Avenida Brasília Formosa, em decorrência ao inacabamento de grande parte das moradias, encontramos um cinema de maior abertura estética, onde o sentido formal e narrativo subsiste em construção, sob o nosso olhar; o que não significa ausência de controle ou rigor. Assim como as edificações da comunidade também se revelam estruturas sólidas, habitáveis, o cinema de Avenida BF está completamente sedimentado numa consciência que se percebe desde a construção dos planos até a montagem final. A diferença é que agora não há o ornamento e todo o universo se estabelece numa lógica muito mais orgânica, permitindo que o olhar da câmera ecoe o olhar primeiro do mundo na relação nutrida entre o espaço natural e as intervenções urbanas.



O LUGAR DO FILME

É importante localizar a experiência de Mascaro dentro daquilo que pode ser chamado um cinema do olhar. Isso porque é corrente na produção nacional a existência de filmes que ignoram esta que seria uma condição primeira do cinema, sobrecarregando suas imagens com uma culturalização vulgar, amarrada por expectativas de regionalismo que em nada contribuem para uma representação sincera do mundo chamado Brasil. Mais do que mostrar o bairro de Brasília Teimosa poetizando a pobreza, o que sobressai em Avenida BF é o poetizar em si, com uma espécie de autonomia diante do contexto social, sem esquecê-lo, mas também sem torná-lo um apelativo centro de atenções. É um olhar coerente com boa parte do cinema atual (em alguns momentos fica a impressão que Van Sant ou Hsiao-Hsien chegaram no Recife), onde a prioridade da beleza decorre do estado do olhar, ao invés do objeto do olhar.

Não por acaso, Avenida BF ocupa um lugar de estréia na carreira de Mascaro, como seu primeiro longa de ficção; algo que assume discretamente, já que muito de sua técnica é herdeira da tradição documentária. O foco narrativo recai sobre um núcleo de personagens cuja vida mudou depois que as antigas palafitas da favela foram substituídas pela Avenida que intitula o filme. Cada um desses indivíduos, notavelmente encarnados por habitantes reais do lugar, encontra-se com os demais em situações do cotidiano, situações que à maneira da arquitetura, permanecem em transformação contínua, afetando através de suas identidades a subjetividade maior do mundo.

Além da importância que Avenida BF tem dentro da carreira de seu diretor, também já é possível falar deste filme, que sequer foi lançado no circuito de exibição nacional, como uma conquista para o cinema brasileiro (apenas uma versão curta do filme foi exibida na TV Brasil, em decorrência de sua premiação no edital nacional do DocTv, em 2009). No início de fevereiro deste ano, Avenida BF foi selecionado para a mostra oficial do Festival Internacional de Cinema de Rotterdam, com uma premiere integrada especificamente na mostra Bright Future, que de acordo com as premissas do evento visa ser “uma plataforma para cineastas do futuro, através do qual, o festival apresenta os trabalhos mais importantes, idiossincráticos e aventurosos dos novos cineastas do mundo.” Em abril, o filme também fez sua estréia latina no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires (BAFICI).



O LUGAR DO OLHAR

A oportunidade de acompanhar a carreira de Gabriel Mascaro, que ainda está apenas em seu terceiro filme, coincide com a temática, tão cara a ele, da transformação. Os personagens de Avenida BF atravessam, em graus diversos, um processo de mudança que condiz com o mundo onde habitam. Numa curiosa cena, são inseridos no filme trechos de uma filmagem feita em 2002, do episódio em que o recém-eleito presidente Lula visitava as palafitas para anunciar a transformação que faria naquele lugar. Além de permitir um contexto mais amplo, a cena chama atenção pelo estado das imagens exibidas, velhas, extraídas de um VHS atingido pela maresia. A transformação do lugar também é sentida na transformação das coisas, assim como em tudo que fundamenta uma representação do mundo.

Avenida BF, através do equilíbrio entre-gêneros, convida-nos a uma contemplação que não pode ser adiada. Há quem aponte tal estado do cinema contemporâneo (contemplativo) como um recurso irrefletido, injustificado ou difundido apenas como elemento de diferenciação aos produtos culturais das grandes bilheterias. Mas tal reducionismo não é encontrado no atual cinema de Mascaro. O olhar com que seu filme encara o mundo é a maneira que ele encontra para sensibilizar não só um público remoto, mas (re)sensibilizar o mundo primeiro. Se antes ele nos lembrara que a dureza do homem estava petrificando a natureza do espaço, agora nos indica que algo pode ser feito para desgastar a pedra. Como as águas desgastam os paredões que separam a Avenida Brasília Formosa do oceano, o olhar pode ser um meio de reintegrar o homem ao mundo. Só é preciso saber olhar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

terça-feira, 5 de outubro de 2010

CINECLUBE DISSENSO NO 14º SOCINE



Paralelamente ao 14º encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (SOCINE), o Cineclube Dissenso realiza, nos dias 6, 7 e 8 de outubro (quarta, quinta e sexta), uma mostra de curtas portugueses recentes. As sessoes irão ocorrer sempre às 13h, no mini-auditório do Centro de Artes e Comunicaçao (CAC) da UFPE. Para debater os filmes, iremos contar com a presença do pesquisador Paulo M. F. Cunha, da Universidade de Coimbra, além de outros estudiosos do cinema português contemporâneo.

No sábado, dia 9, teremos uma última sessão de curtas portugueses, dentro da nossa programação especial de outubro para o cineCabeça. ATENÇÃO: o local e horário da sessão do sábado ainda nao estão confirmados! Aguardem, mais informaçoes em breve.

Dissenso no Socine - Mostra de curtas portugueses
6, 7 e 8/10, às 13h
Centro de Artes e Comunicaçao - UFPE
Entrada franca e aberta ao público geral

domingo, 3 de outubro de 2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

SESSÃO DISSENSO NO CINE SÃO LUIZ



Durante o mês de outubro, o Cineclube Dissenso é o responsável pela programação do cineCabeça. A proposta da curadoria é contribuir para a formação de um olhar sobre a história do cinema nacional e sobre os caminhos do cinema contemporâneo em língua portuguesa. As atividades do Dissenso no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco estão suspensas durante o período. O cineclube retorna às suas atividades normais em novembro.

O cineCabeça tem como objetivo fomentar e difundir a prática do cineclubismo em Pernambuco através da exibição de filmes nacionais e consequente realização de discussões. O cineCabeça, projeto que integra o programa Células Culturais nas Escolas/Pacto pela Vida, é coordenado pela FUNDARPE, em parceria com o Programa CinEscola, o Centro de Atitudes e a Federação Pernambucana de Cineclubes - FEPEC.

“Terra eu, Terra Come” narra a história de Pedro de Almeida, garimpeiro de 81 anos de idade, que comanda como mestre de cerimônias o velório, o cortejo fúnebre e o enterro de João Batista, morto aos 120 anos. O ritual sucede-se no quilombo Quartel do Indaiá, distrito de Diamantina, Minas Gerais. Ao conduzir o funeral de João Batista, Pedro desfia histórias carregadas de poesia e significados metafísicos, que nos põem em dúvida o tempo inteiro. A atuação de Pedro e seus familiares frente à câmera nos provoca pela sua dramaturgia espontânea, uma auto “mise-en-scène” instigante.

A produção foi vencedora do Prêmio CPFL Energia É Tudo Verdade “Janela para o Contemporâneo” de 2010; e também o Troféu Cidade de Gramado de Melhor Filme, da Mostra Panorâmica do Festival de Cinema de Gramado deste ano. Lançado nacionalmente neste 1º de outubro, o filme terá sessões de lançamento em diversos Cineclubes espalhados pelo país, numa iniciativa de parceria entre o Ministério da Cultura e a produtora 7Estrelo.