segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

TOP FILMES (GERAL) 2012

Neste ano foi um pouco difícil manter o controle de tudo o que assisti; não consegui registrar as minhas sessões de 2012, como sempre faço, por isso não tenho como contabilizar todos os títulos experimentados (aproximadamente 300, como de costume). Apesar disso, alguns filmes se destacaram e me trouxeram um entusiasmo que guardarei para sempre. A obra que encabeça meu Top, por exemplo, despertou-me sensações que, talvez, desde a descoberta de Gerry eu não vivia. Os diretores dos 4 primeiros colocados, especialmente, poderiam figurar com vários títulos dentro da lista, tamanha a marca que deixaram dentro de meu ano (Herzog e Argento, em particular). Foram grandes experiências, algumas dívidas pagas para com a história do cinema (pois sempre existirão aquelas obras-primas que nunca vimos, por mais imperdoável que seja) e é sempre bom colocar na balança tudo aquilo que ficou, que a memória reservou num cantinho privilegiado, para ser vivido e revivido enquanto houver luz. Ficam as dicas para todos e o meu desejo de um 2013 repleto de movimento e encanto.


1º As Mãos Negativas (Marguerite Duras, França, 1978)
O nascimento da luz e do tempo, a poesia que cria o universo.


2º Coração de Cristal (Werner Herzog, Alemanha, 1976)
A formação da vida e o caos criador mediados pela imagem do fim.


3º Era Uma vez em Tóquio (Yasujiro Ozu, Japão, 1953)
A permanência do amor entre gerações, sóis e luzes.


4º Phenomena (Dario Argento, Itália, 1985)
Este clamor da alma que não teme o inferno.


5º Um Dia no Campo (Jean Renoir, França, 1936)
Inacabado como a vida deve ser, como os ventos sobre a terra.


6º A Noite da Caçada (Jean Rollin, França, 1980)
A incomunicável condição humana de sobreviver.


7º O Anjo da Noite (Walter Hugo Khouri, Brasil, 1974)
É brincando que se manifestam os medos mais profundos.


8º O Fantasma de Longstaff (Luc Moullet, França, 1996)
Desencontram-se os olhares, os amores, se a representação obceca.


9º Da Vida das Marionetes (Ingmar Bergman, Suécia/Alemanha, 1980)
Esta infância que não se abandona, este pesadelo perpétuo.


10º Imitação da Vida (Douglas Sirk, EUA, 1959)
Porque também há sangue numa lágrima que cai.


11º A Viagem da Hiena (Djibril Diop Mambéty, Senegal, 1973)
Liberdade para voar, amar e sorrir e nisso viver o realismo maior.


12º Liberté, La Nuit (Philippe Garrel, França, 1983)
Reencontrar o amor na luz de um amanhecer, eis a questão.


13º Notas Para Uma Oréstia Africana (Pier Paolo Pasolini, Itália, 1970)
Este mito que dilata os tempos e dissolve a realidade.


14º Brás Cubas (Júlio Bressane, Brasil, 1985)
Não há imagem que não carregue um defunto-autor.


15º Coração Selvagem (David Lynch, EUA, 1990)
No orifício e na cavidade do gozo, o tesão de existir.


16º Trans-Europ-Express (Alain Robbe-Grillet, França/Bélgica, 1967)
No amor-fetiche, a motivação primordial de toda narrativa.

TOP LIVROS 2012



1º Lugar: Um Sopro de Vida (Clarice Lispector)
Não, eu não estou me repetindo em meus Tops literários. Nada posso fazer se a autora que mais admiro continua me surpreendendo ano após ano, página após página. Há tempos iniciara a leitura deste seu livro póstumo, aquele que mais próximo chega de Água Viva, mas nunca ousei concluí-lo para não ter que obedecer ao pedido que Clarice deixou logo na parte introdutória: “Quando fechardes as últimas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão livro de vida então esquecei-me.” Não poderei. Terei de traí-la em seu desejo íntimo, se não posso arrancar da memória os sentimentos em mim despertados por seus diálogos quase socráticos. Um livro sobre a vida, sobre a criação do verbo, um livro que me responde o troco da alegria que foi ver nascer o meu próprio rebento (A Modernidade em Diálogo) e me leva a desejar mais destas emoções, de tudo isso que me justifica entre as letras e me faz nelas continuar crendo. Um livro-milagre sobre mim.

2º Lugar: Com Os Meus Olhos de Cão (Hilda Hilst)
Também não me repito com Hilda, que permanece esta pedra no caminho, este sorriso hierárquico a me soterrar, seja com a prosa ou o verso, seja na hibridez de que se forma esta sua nada tímida novela. “Não sou nem carne e sangue/ Nem poeira.” Sou este obcecado sofredor que insiste em sua literatura para não abandonar a fé inclusive pelo que não acredita. Livro imediatamente posterior ao meu favorito Uma Obscena Senhora D., neste breve rompante, Hilda prossegue enfurecida em sua relação com Deus, com o mundo e consigo própria.  Desses textos que me lembram tão profundamente de minha humanidade que quase me transformam em bicho.

3º Lugar: O Deslumbramento (Marguerite Duras)
Que este seja o Top mais feminino por mim já elaborado, não resta dúvidas. Mas se ele fosse todo formado por escritores homens, o fato nem chamaria atenção; por isso deixo o sexo de lado para pensar nas obras que mais me marcaram em 2012, sem ignorar que há muita ‘macheza’ nestas mulheres todas. “Nunca se lhe vira uma lágrima de moça.” É assim descrita a protagonista Lol V. Stein, retomada por Marguerite em seu cinema e literatura posteriores. Núcleo de um universo notavelmente autoral, O Deslumbramento torna-se não apenas o melhor título que já provei desta mulher (que, não por acaso, assinou o melhor filme a que assisti também em 2012), mas um dos mais inquietantes no registro de uma linguagem que desafia a memória e minha tão cara relação com o Sagrado. Assim como Lol Stein, eu me descubro a mim mesmo quando “... um dia esse corpo doente se mexe no ventre de Deus.”

4º Lugar: Ocupado Demais Para Deixar de Orar (Bill Hybels)
Se um livro possui o tempo certo para chegar ao seu leitor, posso dizer que este veio até mim com um propósito muito especial. Mais do que um manual de intercessão, o apelo de Bill Hybels é por um cristianismo sincero, vivido a cada minuto de vida, a despeito do cotidiano e de todos os compromissos que tentam nos roubar do tempo e da confiança em Deus. Para um 2012 tão atropelado que, inclusive, não me permitiu muitas leituras completas (e um ano vindouro que promete ser bem mais complicado nos meus relógios...), este livro foi a resposta que eu precisava para não me esquecer de que a oração é uma coisa que nasce no interior da alma e chega aos céus, não importam as circunstâncias. Seja num período reservado com os joelhos no chão, seja numa breve súplica em meio a qualquer atividade do dia-a-dia, Deus nos espera com o ouvido atento, desejoso de que lembremos sua constante presença. Sou muito grato por ter sido encontrado por este livro.

Menção Honrosa: Cinema de Garagem – Um Inventário Afetivo Sobre o Jovem Cinema Brasileiro do Século XXI (Org. Dellani Lima & Marcelo Ikeda)
Lido durante a organização dos pensamentos para um texto que eu mesmo assinaria com o amigo Rodrigo Almeida (e que veio a integrar a outra coletânea Cinema de Garagem, catálogo oficial da Mostra homônima patrocinada pela Caixa/RJ, com curadoria dos mesmos autores), este pequeno livro-de-garagem foi um renovo para meu fôlego crítico, bastante afetado no correr de 2012. Foi uma publicação que, além de mapa cinéfilo ou diário íntimo, serviu-me para entender um pouco mais do meu próprio lugar na atual geração de espectadores encontrada pelo cinema, igualmente formadora deste cinema. Compilação de textos vigorosa e cheia de juventude, posso culpa-la também pela coragem que me deu de desengavetar algumas coisas que não podiam mais esperar. E que 2013 venha.

TOP FILMES (CONTEMPORÂNEOS) 2012

Pela primeira vez, abro os limites de meu Top para filmes vistos no cinema (no caso, filmes do ano) e abarco outras experiências que não chegaram às grandes telas de nosso país. Considerando as transformações que o cinema vem passando, da produção à distribuição, não tenho como ignorar alguns trabalhos da contemporaneidade que ajudaram a moldar meu olhar em 2012. Há na lista vários títulos que foram exibidos comercialmente no Brasil, há outros que só rodaram em festivais, assim como alguns que só poderão ser vistos entre nós através de downloads (a destacar-se o filme de Ming-Liang, produzido especificamente para a internet, fica bem clara a postura que adotei para avaliar os melhores do ano). Apesar de extenso, o Top dá uma ideia exata do que eu vivi de melhor com a sétima arte em sua recente produção. Vários títulos acima da média ainda ficaram de fora, vários que certamente entrariam na lista ainda nem pude assistir; tudo isso indica bons ventos para o cinema do futuro. Esperemos, então.


1º O Cavalo de Turim (Béla Tarr, Hungria/França/Alemanha/Suécia/EUA, 2011)
A esperança do fim é o princípio de tudo.


2º J. Edgar (Clint Eastwood, EUA, 2011)
Não importam os corpos para o contato do amor.


3º Tabu (Miguel Gomes, Portugal/Alemanha/Brasil/França, 2012)
Se toda imagem é sempre uma questão de espera.


4º Febre do Rato (Cláudio Assis, Brasil, 2011)
Poesia em preto e branco para resistir ao mundo.


5º A Vida Útil (Federico Veiroj, Uruguai/Espanha, 2010)
E um pouco de cinema para sobreviver, dia após dia.


6º Isto Não É um Filme (Jafar Panahi, Irã, 2011)
A necessidade da imagem supera qualquer circunstância.



7º Frankenweenie + Sombras da Noite (Tim Burton, EUA, 2012)
Dupla honra para a retomada do ano.


8º Drive (Nicolas Winding Refn, EUA, 2011)
Não há movimento que não caiba num beijo.


9º A Separação (Asghar Farhadi, Irã, 2011)
Toda distância é um abismo no cosmo.


10º Walker (Tsai Ming-Liang, Hong Kong, 2012)
E permanência de tempo também é uma questão de cor.


11º O Moinho e A Cruz (Lech Majewski, Polônia/Suécia, 2011)
A dor e o belo como representações da alma.


12º Em Outro País (Hong Sang-Soo, Coreia do Sul, 2012)
Amar é... fazer a alegria caber num abraço.


13º Minha Felicidade (Sergei Loznitsa, Alemanha/Ucrânia/Holana, 2010)
O apagamento do humano para continuidade do espaço.


14º Um Método Perigoso (David Cronenberg, EUA/Alemanha/Canadá/Suécia, 2011)
Na imagem o mais violento tratamento de choque.


15º Um Verão Escaldante (Philippe Garrel, França/Itália/Suécia, 2011)
A memória de um corpo, de uma estação que não finda.


16º O Abrigo (Jeff Nichols, EUA, 2011)
A certeza do fim também é o princípio das coisas.


17º César Deve Morrer (Paolo & Vittorio Taviani, Itália, 2012)
O julgamento pelo drama, a justiça pela imagem.


18º Os Fantásticos Livros Voadores do Sr. Lessmore (William Joyce & Brandon Oldenburg, EUA, 2011)
Para que a fantasia não cesse.


Menção Honrosa: Clássicos do V Janela Internacional de Cinema – Sessão de Psicose (Alfred Hitchcock, EUA, 1960)
Porque o filme de uma vida também renova seus votos.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

FRAGMENTOS PARA UM FIM DE MUNDO

O Cavalo de Turim (Béla Tarr, 2011)

Com as expectativas para fim do mundo, tomei coragem de, nos últimos dias, pagar duas dívidas que carregava, penosamente, para com a arte. A primeira delas, no filme O Cavalo de Turim, encerramento da carreira de Béla Tarr, que eu me recusei a ver por algum tempo, somente em pensar que era seu último filme e que, depois dele, não haveria mais nada (ele declarou ser este o seu último trabalho e ponto final). A segunda, no livro de Clarice que eu nunca encerrei, Um Sopro de Vida, obra póstuma que dá uma clara retomada ao que tanto admiro em Água Viva. Em ambos os casos, obras sobre um fim de mundo, de criação, desfechos de toda uma estética.

Eu e meu problema com o final das coisas. Principalmente das boas. Resisto a obras testamentárias como se minha ignorância pudesse realizar o milagre de reverter a morte. E nestas duas que me trouxeram um dos mais profundos apocalipses já vividos, a restituição de um tempo que transcende os maias, que soterra as profecias. Béla Tarr e Clarice me devolvem o que perdi no decorrer de 2012, entre agenda lotada com leituras, provas, cursos e compromissos mil. Que tentaram me roubar de mim. E mais uma vez agradeço a estes mestres, amigos de minha cabeceira, por mostrarem que o fim, não importa o clichê, é o recomeço.

Fragmentos de Clarice para um fim de mundo:

“Nunca a vida foi tão atual como hoje: por um triz é o futuro. [...] O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. [...] Então – para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto. Quero me multiplicar para poder abranger até áreas desérticas que dão a ideia de imobilidade eterna. Na eternidade não existe o tempo. [...] Saber desistir. Abandonar ou não abandonar – esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa? como, digamos, o próprio fim do mundo?”