quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PERMANÊNCIA

Cada início sugere alguma coisa. E quando eu percebo a sugestão, começo a pintar, intuitivamente. A sugestão torna-se então um fantasma que é preciso captar e tornar real. É durante o trabalho, ou mesmo quando a pintura está terminada, que o tema se revela.

Jackson Pollock

O primeiro trabalho é criar a emoção e o segundo é preservá-la.

Alfred Hitchcock

Definir um significado preciso para a Arte é correr atrás do vento. Não é dentro de uma resposta que tal predicado se manifestará; sua possibilidade, se provável, só poderá habitar no lugar do questionamento, do inquietante, da insegurança que motiva um processo criativo da imaginação.

O processo em Pollock, por exemplo, está condicionado ao vir à luz de uma sugestão, não num projeto estanque, mas num processo que se concretiza no próprio ato de suceder. Sucedem-se as cores, telas e texturas, assim como sucedem-se os dias, as surpresas, o eterno início das coisas.

E justamente na referida continuidade do processo lembro-me do princípio de preservação definido por Hitchcock. Se para o suspense é imperativo que haja uma dilatação do tempo e do espaço, dos parâmetros cronológicos mundanos, isso ocorre em reflexo ao distanciamento primeiro da própria arte em relação ao mundo.

A pintura revelada de Pollock, desdenhando a ilusória impressão de término, culmina numa aplicação perfeitamente pragmática do conceito de arte relacionado ao verbo em gerúndio, onde o estético irrompe de um gesto nunca acabado, um continuum perpétuo, nas palavras de Hitchcock, uma preservação da emoção original.

A cada novo contato que tenho com um objeto artístico, pela reação que ele em mim gera e pela relação que ele passa a manter comigo, percebo que seu existir só se justifica enquanto lhe couber um primeiro agir. Quando o preservo para além do tempo de apreensão direta encontro algo próximo da verdade da Arte, daquilo que exige uma sobrevivência de seu motivo. E se obrigado eu fosse a capturar o vento, o faria numa frase, numa palavra: Arte é permanência.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

NECESSIDADES DA ALMA

A alma tem suas necessidades não menos do que o corpo; e uma das maiores necessidades do homem é a de manter sua mente incessantemente ocupada. O peso que rapidamente se abate sobre a inatividade da mente é uma situação tão desagradável ao homem, que ele frequentemente prefere expor-se aos exercícios mais dolorosos a ser perturbado por ele.

Assim somos levados instintivamente a buscar objetos capazes de excitar nossas paixões, não obstante esses objetos deixem em nós impressões que frequentemente são acompanhadas por noites e dias de dor e infortúnio; mas, se estivesse isento de paixões, o homem estaria em geral exposto a atribulações ainda maiores do que aquelas que as próprias paixões podem fazê-lo sofrer.

Como a maioria das sensações agradáveis que nossas paixões reais podem proporcionar é equilibrada por muitas horas infelizes que sucedem nossos momentos de satisfação, não seria uma nobre tentativa da arte esforçar-se para separar as conseqüências tristes de nossas paixões do prazer fascinante que recebemos satisfazendo-as? Não está no poder da arte criar, por assim dizer, seres de uma nova natureza? A arte não poderia imaginar produzir objetos que estimulariam paixões artificiais, suficientes para ocupar-nos enquanto somos efetivamente afetados por elas, e incapazes de nos causar depois qualquer dor ou aflição real?

Jean-Baptiste Du Bos (1748)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O TEMPO QUE FERE


De Volta ao Pequeno Apartamento, Michael Powell & Emeric Pressburger, 1949.

Novo post no MAKING OFF.

Há um começo. Há um fim. A individualidade importa. O destino, o futuro. O passado que não desvanece. Tudo é essencial em De Volta ao Pequeno Apartamento. Aquilo que poderia ser mais um exemplar da profícua produção que o cinema britânico realizou sobre a Segunda Guerra, torna-se um ensaio existencial, uma reflexão sobre a crise, a interioridade fendida, consumida acima de tudo por quem não deixe esquecer a morte: o tempo.

O desespero do protagonista (David Farrar), que não esquece as dores morais e espirituais da guerra por causa de uma irreversível dor física decorrente da perda de uma perna, faz dele um retrato da própria dor. A insuficiência das alegrias, dos amores, dos ideais já perdidos, intensifica sua jornada interior rumo ao inferno, geralmente na solidão de uma madrugada, em seu pequeno apartamento.

É aí que Powell e Pressburger compõem cruelmente uma das mais atordoantes sequências já criadas pelo cinema, com trucagens milagrosas que esmagam ainda mais a humanidade em cena, seja pela forte presença do álcool e das drogas que o homem consome para suportar a noite, seja pelo aterrador tique-taque do relógio, lembrando-lhe que o tempo não pode ser vencido, desviado ou sequer ignorado.

Aqui, o tempo é quem fere. Quem condena a consciência e o corpo a uma permanência vívida, jamais em repouso. Quem faz da imagem uma habitação da dor e da desesperança, uma aceitação do fim e da derrota. De acordo com este cinema, a Guerra nunca terminou.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O TEMPO FERIDO


A Vingança de um Pistoleiro (Monte Hellman, 1965)

Não há começo. Não há fim. Os nomes não importam. Os destinos, as identidades. Passado ou futuro. Nada é essencial em A Vingança de um Pistoleiro. Começamos e terminamos o filme sem saber nada de seus personagens, a não ser que a vida foi-lhes cruel o suficiente para extirpar um lado bom ou ruim para a alma.

Tudo que Monte Hellman faz é recortar um pedaço dessa vida. Interromper o fluxo para instaurar um novo. Desmoronar a rotina. Para isso, é preciso antes de tudo recortar o tempo, feri-lo. E a última impressão que fica, e que permanece por muito tempo (não, ele não morre), é que de alguma forma o tempo foi estrangulado, punido como aqueles homens, alguns com culpa, outros inocentes. O fim é o mesmo para todos, e não será o tempo quem escapará.

Em tempo: ver Jack Nicholson no vigor da juventude é sempre um dádiva.