segunda-feira, 31 de maio de 2010

PARA FICAR NA CANÇÃO

No espírito da discussão gerada pelo amigo Conrado, hoje, no encontro do grupo de estudos em Intersemiose, sobre os significados e possibilidades da canção, compartilho aquela que tem sido a minha grande canção de 2010. Cena de um filme de Eugène Green (A Ponte das Artes, 2004) que já conhece bem minhas lágrimas, representa uma interpretação de Lamento Della Ninfa, de Monteverdi.

sábado, 29 de maio de 2010

domingo, 16 de maio de 2010

ESPECIAL ANTHONY MANN

Eis que chega ao fim o Especial Anthony Mann - MULTIPLOT! Uma experiência crítica fantástica da qual tive o maior orgulho de participar nos últimos meses. E como não poderia deixar de ser, o espaço de debate prossegue, por isso se alguém por aí perdeu alguma coisa é só CLICAR AQUI para acompanhar toda a linda jornada que fizemos, desde a cobertura da filmografia, aos TOPs (noir, western e do próprio cineasta) até os artigos finais.

O ÚLTIMO TRÁGICO



Especial Anthony Mann - MULTIPLOT!

Muito bem, depois da admirável reflexão do amigo Ranieri sobre o retorno formal a que Anthony Mann se propôs em sua carreira, ao dialogar não só com os princípios dos pré-cinemas e da própria encenação teatral, não posso deixar de trazer à tona um aspecto que ressaltei várias vezes nos textos do Especial: o retorno de Mann ao Trágico. Até porque perceberemos aí, uma espécie de linha que comprova ser o retorno também uma evolução, uma ousadia que exige muito mais tato e consciência para que atinja mérito.

Lembrando que o gênero trágico é a única forma narrativa da Antiguidade essencialmente mantida no decorrer da história – a despeito dos inevitáveis rearranjos de contexto sociais –, encontramos na obra de Anthony Mann uma continuidade exata das bases presentes nessa modalidade, que, pela pertinência dos tempos modernos, resulta numa intensidade de maiores possibilidades e conseqüências.

Talvez nenhum outro cineasta tenha seguido, como Mann, a cartilha padrão da Tragédia greco-romana tão fielmente, a exemplo de seu percurso pelo noir na década de 40. É inútil pescar referências ou exemplos particulares de filmes, se toda sua filmografia daquela década reflete inequivocamente o espírito do que a Poética de Aristóteles definiu quase 4 séculos a.C. Todos por aqui já estão devidamente situados sobre as condições existenciais dos personagens de Mann em seus filmes noir; assim como a Tragédia dita o destino, todos eles sobrevivem como regidos por um fio manipulador que distancia as chances de o subjetivo manifestar-se. Não há noir de Mann (e porque não compreender o mesmo para o próprio noir, se Mann foi um dos definidores de sua grafia básica) que não priorize o deslocamento de seu protagonista/herói arrancando-o de um ponto pacífico, que não se baseie num princípio da crise, da instauração do caos, surgido habitualmente por banalidades do cotidiano, por peripécias do dia-a-dia que porventura empurram toda uma vida à beira de um abismo.

À solidão a que esses personagens são confinados acrescente-se o signo da falta, a potencialidade de uma ausência que percorre cada um dos filmes de Anthony Mann – onde já incluímos a fase pós-50. Seja um nome, um amor, uma família, um território, uma fortuna, uma arma, uma memória, não há enredo em que Mann não parta de um vazio agenciador do estado solitário do indivíduo. E é na solidão que o Trágico se configura; dela vem à luz a plenitude do lírico, única alternativa discursivo-estética que o homem moderno encontra para permanecer trágico.

O rigor de Mann no acompanhamento aristotélico pode ainda ser percebido em detalhes mínimos, como por exemplo, a duração de seus filmes. Assim como o filósofo afirmou que a duração da Tragédia deve ser concentrada ao máximo, em peças que não excedam uma hora, todos sabemos da habilidade de Mann em narrar as mais complexas tramas na menor duração possível, seja por opção criativa, seja por limitações de produção, não importa, o que conta é a feliz coincidência.

Também poderemos compreender melhor sob o viés trágico de Mann a ambigüidade com que ele trabalhou seus dois gêneros principais: o noir e o western. Assim como os gregos foram pautados pela homogeneidade do mundo/das formas, em Anthony Mann teremos um amálgama dos dois ambientes clássicos por excelência ao cinema americano, num equilíbrio quase indiscernível de tão sutil. Apesar de seu lugar histórico e cultural (Hollywood) não permitir maiores arroubos de vanguarda, Anthony Mann não se deixou calar, chegando a abrir uma ferida nessas convenções. Aliás, eis uma de suas características maiores: transgredir pelo conservador. O rompimento nos limites dos gêneros, algo que só encontraria destaque nos cinemas novos pós-60, é prioridade de Mann a cada filme realizado; daí encontrarmos saloons e desertos nos becos sujos dos ambientes urbanos, assim como expressividade de sombras e formas na abertura das paisagens do velho oeste.

Finalmente, o preceito da transformação a ser vivido pelo herói trágico, a mudança necessária de seu destino, é um último ponto que levanto dentro do universo de Anthony Mann (ainda há outros, mas estou tentando ser aristotelicamente conciso). Se em alguns casos temos heróis que se transformam de assassinos em redentores, também encontraremos o extremo oposto disso; o que importa é que sempre, sem exceção, as situações narrativas de Mann se resolverão dramaticamente, com personagens transformados em outros, sem que jamais se perca a individualidade original.

Daí onde podemos aplicar ao próprio lugar alcançado por Anthony Mann no registro cinematográfico clássico, uma configuração primeira de cinema trágico, ou seja, em crise, solitário, concentrado, lírico, e profundamente transformador. Um cinema conscientemente ancorado numa tradição não apenas da imagem em movimento, mas de toda uma dimensão humana da representação artística, capaz de atualizar inquietações das mais antigas ao homem enquanto se presta a uma renovação do veículo utilizado. Fazer isso, convenhamos, é o mais heróico dos atos.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

OS AMANTES DE MONTPARNASSE


Os Amantes de Montparnasse, Jacques Becker, 1958.

Novo post no MAKING OFF.


Os Amantes de Montparnasse, dentre as incontáveis referências diretas e indiretas ao universo das artes plásticas, lembra-nos que Van Gogh afirmou preferir pintar os olhos dos homens à suntuosidade das catedrais. Modigliani (1884-1920), o protagonista aqui biografado, numa das observações do roteiro, também coloca que a possibilidade de pintar o mundo concretiza-se no simples ato de desenhar o rosto da mulher amada. Na mesma escala de sensibilidade situa-se o cinema de Jacques Becker; cineasta que consegue no tratamento de um personagem abarcar o complexo humano ao nível do essencial, que extrai da narrativa psicológica uma força tamanha, dando a ver o abstrato que compõe os sentimentos e paixões, que logra num detalhe de cenário, na intensidade de uma luz, na amplitude de um close-up, a totalidade do mundo, um universo próprio de limites invisíveis, mas quase palpáveis.

Sobre Montparnasse, Godard afirmou: “Não é um filme, é a descrição do medo de fazer um filme.” Um medo humano. Medo que desloca a posição romântica do autor e que se permite entrever na materialidade do filme-objeto, testificando que uma obra sobre o medo, significa, antes de tudo, uma obra sobre o artístico. As incertezas de Modigliani a respeito das reações do mundo (o retorno do amor, o retorno financeiro, o retorno do reconhecimento de seu talento), convergem ao ponto primeiro de reação da vida na maneira como a arte enfrenta o último retorno: a morte. Nesse sentido, a morte de Max Öphuls, cineasta que originalmente conceberia Os Amantes de Montparnasse (atrasado sempre por questões de produção e pela maneira que esta costuma enxergar um filme como um dado estatístico dentro do orçamento), torna-se uma espécie de emblema, como se parte fizesse do núcleo narrativo desenvolvido por um Becker que trabalha seu filme à beira da morte (e que realmente morreria em apenas dois anos), inquieto, angustiado, elegante, lírico, nervoso, atormentado, para ficarmos apenas nos adjetivos que Jean Renoir lhe dedicou quando de sua colaboração como diretor assistente (além do suporte técnico, Becker também figurou diversos filmes do mestre francês).

Não por acaso o próprio Modigliani reconhece estar sendo abandonado pela vida, numa encarnação desesperada de Gérard Philippe, acentuada pela mansidão de Jeanne (Anouk Aimée num momento de beleza digno da Musa). Desespero que perpassa cada detalhe de encenação, cada dificuldade enfrentada e sublimada pela irreversível convicção que o filme insinua, num crescendo agônico, da inevitabilidade da morte. Pois falar de medo é falar de arte, assim como fazer arte é morrer.

A verdade dos olhos vazios, típica deste pintor – que recorria ao signo das máscaras em seus desenhos, esticando os corpos retratados em medidas muito singulares –, é captada por Becker tanto na fixidez dos extraordinários rostos do elenco como na maneira que ele os faz permanecer em quadro mesmo após sua ausência. O reencontro de Modi e Jeanne, por exemplo, ao terminar numa fusão que substitui os corpos pelo céu, na verdade, não se deixa terminar; como se o afastamento dos corpos pela imagem não pudesse excluí-los, diluindo a ausência aparente de maneira especular à condição primeira do objeto de arte, de fazer viver aquilo que já se foi, ou que talvez nunca tenha sido para além da obra.

Mais do que um filme sobre arte, Os Amantes de Montparnasse, no tratamento que dá ao amor e à morte (talvez os mais caros entre os temas artísticos) sobrevive naquilo que vive, que emana e apreende da vida. E justamente por nem todos os filmes que se baseiam na vida serem filmes sobre vida, o feito de Becker amplia o próprio conceito de escrita (grafia) da vida (bio), na maneira como ele é habitualmente tomado pelo cinema. Vida, Amor e Morte: núcleos indissociáveis de uma mesma dimensão; mais do que tudo: indissociáveis da Arte, do Cinema.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

DA LIBERDADE ARTÍSTICA

És um rei. Vive só. Escolhe um caminho livre
E segue por onde te levar tua mente livre;
Aperfeiçoa os frutos das idéias que te são caras,
Sem nada esperar por teus nobres feitos.
Em ti estão as recompensas. De ti és o juiz supremo.
Ninguém, com mais rigor, julgará tua obra.
Judicioso artista, isso te apraz?

Alexander Púchkin

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A RENOVAÇÃO DO ÂNGULO



O Amor Existe, Maurice Pialat, 1961.

As lições da obscuridade nunca são escritas em monumentos.
A mão da Glória que ordena e dirige também pode implorar...
Basta uma simples mudança de ângulo.