domingo, 24 de junho de 2012

O DIVERTIMENTO EM MIM

Passados quase dois meses sem atualizar este cantinho, na verdade sem ter tempo para pouca coisa além de respirar e cumprir um insano (mas delicioso) acúmulo de compromissos, resolvi fazer uma faxina, mudar a decoração e comemorar com atraso o 4º aniversário deste blog (inaugurado em 06 de junho de 2008). Curiosamente, o estopim de meu retorno não foi causado por um filme, mas por um livro que devorei inteiro, numa sentada de rede, hoje mesmo. Essa loucura que Cortázar gerou no verão de 49 e ainda permanece como um dos maiores enigmas da ficção:


“Há de chegar o dia em que os acontecimentos que realmente interessam serão fixados com uma linguagem isenta de toda ordenação formal, e sem que uma prematura entrega à pura expressão poética torne incerto e ininteligível o instante perfeito que se quer solenizar.”

Contracapa fechada, fica a impressão de que Cortázar desejou alcançar o dia descrito, pois não há nada em Divertimento que ultrapasse o puro acontecimento, o instante perfeito para o resgate da escrita. Páginas que se sucedem sem as conexões frágeis e esperadas, que desafiam não só a linearidade do que se imprime no papel, mas do que organizamos em nossa mente. Personagens e nomes que se agrupam sem a menor psicologia, que discutem e compartilham com o escritor os anseios da representação poética. Não é por acaso a gestação de quadros e poemas, de questionamentos internos aos que perambulam entre as palavras, todos reunidos em torno do gesto criativo e desesperado de sustentar o tempo.

Uma imagem bem demarcada abre a 2ª parte do livro, no novelo que se desfaz lentamente para enredar outro enrolado de linhas; formação que se desdobra e se volta sobre si, que afrouxa e aperta, que faz e desfaz nós, que recobre camadas de linhas para ser recoberta por outras camadas e assim aprofunda uma espécie de abismo, de novo planeta e nova realidade. Uma imagem pura da ficção, desta brincadeira que nos amarra e enlaça e que, de maneiras diversas, alimenta há mais de quatro anos este espaço de descobertas e impressões particulares, mas também divididas, desfeitas e desenroladas para o nascer de novas formações.

É o que fica. E prossegue.

SETE DIAS COM MARILYN


 

JOVENS ADULTOS


 


ESPECIAL WERNER HERZOG - MULTIPLOT!















Dar conta de uma obra tão rica e emblemática, evidentemente, jamais seria possível. Grande parte da expressividade e das questões que emanam do cinema de Herzog se detém à experiência particular de cada espectador com os filmes. Mas acreditamos que, organizando esta análise geral da sua filmografia, torna-se possível não apenas discutirmos um pouco da essência deste autor transgressor e único, mas nos integrarmos à reflexão proposta por ele a respeito de nós mesmos, do mundo e dos desvios percorridos e traçados nele pela civilização que o habita, o explora e o afronta — ou seja, deste embate eterno entre homem e natureza, entidades que mantém entre si um indissipável conflito ao qual o cinema de Herzog constantemente nos convida a retornar. Pensar sua obra e situá-la no tempo em que ela se cria e sobre o qual ela comunica nos permite observar que, para além do seu imensurável valor como cineasta, encontramos em Herzog um homem de grande convicção no uso das formas de expressão artística próprias ao seu tempo — falando especificamente do cinema, arte nascida e firmada dentro de nosso caráter industrial, e, também por força dele e das demais artes visuais, de cada vez mais amplo conhecimento imagético do mundo — para imantar à história sua passagem pela vida e sua relação conturbada com este planeta que ele observa com tanto fascínio. Nossa segunda edição, portanto, presta uma homenagem a este artista que não nos cansa de impressionar com seu cinema — para finalmente utilizar estas duas palavrinhas — louco e genial.

ESPECIAL DJIBRIL DIOP MAMBÉTY - FILMOLOGIA

















O “cinema negro” (não no sentido étnico da coisa, mas na modalidade do alcance da visão que terá de ir até a cratera mais profunda dos arquivos cinéfilos para encontrá-lo) sempre sofreu uma espécie de expiação temporal dos círculos que deveriam abraçá-lo. Foi “martirizado” pela consciência da cinefilia europeia e norte-americana (que “contaminou” a paixão pelo cinema por todo o globo), deixando assim um mosaico fortemente ressentido de esferas negras, de cineastas negros (no duplo sentido que a definição legitima: o negro da pele e o negro do desconhecido), de histórias próprias e intransponíveis a qualquer visão minimizadora, pedante ou fascistoide.

Djibril Diop Mambéty tal qual seu compatriota Ousmane Sembène, foi a certidão de nascença de algo maior do que qualquer sistematização global na busca pelos “cineastas universais”. Ambos dominaram a produção cinematográfica de Senegal a partir da segunda metade do século passado. Enquanto Mambéty foi impregnado de sonhos e de uma necessidade de criação permanente ao mesmo tempo que era tomado frequentemente como exemplo de uma marginalidade meticulosamente cultivada, Sembène foi escritor, sindicalista, militante político e ex-combatente. A diferença entre as duas cinematografias se dá pelo sonho de uma nova esperança anti-colonialista (Mambéty) e o sangue da fúria anti-colonialista (Sembène). Para ambos, a autêntica aprendizagem vital estava escondida na miscelânea da vida cotidiana, ao lado de pessoas de países e condições diferentes.

À frente da fome e do obscurantismo, à frente da miséria e da consciência embrionária, Mambéty tem toda essa noção, transforma-a em utilidade cinematográfica, refaz o homem a partir do degradante, escurece-o ao máximo para depois jogá-lo à luz. O “cinema negro” (agora sim, na conotação étnica), de fato, merece esse redescobrir, porque a história africana não é uma história de vergonha, mas uma história de luta, dum eterno embate frente à “civilização branca” – porque o negro jamais foi tão negro quanto a partir do instante em que esteve sob o domínio do branco, e resolveu dar testemunho de cultura, percebendo que a história lhe impõe um terreno determinado, que a história lhe indica um caminho preciso e que lhe cumpre manifestar uma cultura negra, uma cultura própria, local e então, universal. O cinema de Mambéty é, portanto, um dos mais fortes sintomas dessa cultura africana universal, porque acima de tudo, seus filmes são sobre o compartilhar de experiências próprias num local ainda visto com olhos tão maldosos pelo mundo.

Edição Especial - #06 DJIBRIL DIOP MAMBÉTY

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