sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

TOP FILMES 2010

Bom, não dá pra encerrar um ano sem fazer minha listinha de melhores filmes vistos durante os últimos 365 dias, né... Da razoável quantidade de filmes neste ano (272) limitei-me a uma indicação de 20 títulos que, sem dúvida, definiram meu 2010, na minha forma de olhar e de encarar não só o cinema mas toda a minha vida. Ao elaborar a lista fiquei tentado a incluir mais filmes (pelo menos uma dúzia), mas senti que deixar nos 20 era suficiente, pois foram justamente estes os que mais conseguiram me tocar, num contato de corpo mesmo, de memória duradoura, inabalável.

Como fiz no ano passado, agrupei tudo numa só lista, sem me importar com ano de lançamento ou situação em que foram assistidos. São pura e simplesmente os melhores filmes que descobri durante 2010, um ano que, num balanço geral, não foi dos mais importantes para minha cinefilia, mas que soube deixar suas marcas. Como o propósito de toda lista, espero que os amigos aproveitem algumas dicas e vivam seus próprios gozos.

Aproveitando o encerramento do ano, deixo meu obrigado a todos que continuam acompanhando O ÂNGULO EM MIM, apesar da diminuição no ritmo de atualizações... Foi um ano corrido, mas apesar de saber que 2011 promete ser ainda pior (digo, melhor) pretendo muito retornar uma atenção mais especial a este cantinho querido. 2011 que nos aguarde!


1º Moisés e Arão + Uma Visita ao Louvre (Jean-Marie Straub & Danièle Huillet, França/Alemanha/Itália, 1975/2004)

+
Epifanias que de tão intensas machucam os olhos.
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2º O Mundo Vivente (Eugène Green, França/Bélgica, 2003)

É preciso sonhar com o impossível.
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3º Edvard Münch (Peter Watkins, Suécia/Noruega, 1974)

É preciso saber acordar depois de um sonho.
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4º O Segredo Atrás da Porta (Fritz Lang, EUA, 1948)

Porque a coragem de se enxergar é uma dádiva.
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5º Esculturas de Sofu - Vida (Hiroshi Teshigahara, Japão, 1963)

Não há arte maior que o mundo.
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6º A Última Sessão de Cinema (Peter Bogdanovich, EUA, 1971)

Tornar-se adulto é render-se ao nostálgico.
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7º Paris nos Pertence (Jacques Rivette, França, 1961)

E fazer um filme é vencer uma guerra.
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8º A Última Gargalhada (F. W. Murnau, Alemanha, 1924)

Há risos que doem.
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9º Chamas que Não se Apagam (Douglas Sirk, EUA, 1956)

Há lágrimas que amam.
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10º Lola Montès (Max Öphuls, França, 1955)

Porque além do vermelho não há cor.
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11º Um Filme Para Nick (Wim Wenders, Alemanha/Suécia, 1980)

Porque além do vermelho não há fôlego.
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12º A Viagem do Balão Vermelho (Hou Hsiao-Hsien, França/China, 2007)

Porque além do vermelho não há sentido para uma imagem.
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13º Lábios Sem Beijos (Humberto Mauro, Brasil, 1930)

E capturar uma imagem é questão de pele.
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14º Mercado Humano (Anthony Mann, EUA, 1949)

Não se pode trapacear o medo.
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15º Por Uns Dólares a Mais (Sergio Leone, EUA, 1965)

Porque o deserto ainda me chama.
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16º A Hora do Lobo (Ingmar Bergman, Suécia, 1968)

Concretizando os pesadelos perdidos.
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17º A Um Passo da Liberdade (Jacques Becker, França, 1960)

Libertando os últimos medos escondidos.
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18º Maridos e Esposas (Woody Allen, EUA, 1992)

Não há mundo maior que um close.
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19º Pai (István Szabó, Hungria, 1966)

Da memória de um trauma, nasce o amor.
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20º Fuga Para Odessa (James Gray, EUA, 1994)

Porque é preciso continuar olhando.
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Menção Honrosa: Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, Brasil, 2010)

Para encontrar imagens que me emancipem.

sábado, 25 de dezembro de 2010

TOP LIVROS 2010

Apesar de, em 2010, Clarice Lispector ter reinado absoluta em minha vida, optei por não acrescentar nenhum título da autora neste top porque pretendo, em breve, elaborar um somente pra ela, quando completar a leitura de toda sua obra (o mesmo vale para Hilda Hilst). No geral, tudo que li não relacionado à obra clariceana terminou limitando-se a experiências mais discretas do meu ano, mas que, não poderia ser diferente, também me inspiram no compartilhar e recomendar as que foram melhores aos amigos que por aqui passam.

1º LUGAR: DE PROFUNDIS (OSCAR WILDE)

A polêmica carta de Wilde, escrita na prisão, sem dúvida foi meu grande incômodo do ano. Texto afiadíssimo, lançou-me numa amargura sem tamanho, entre questionamentos que só uma verdadeira obra de arte é capaz de provocar. De profundo interesse moral, Wilde não abandona em nenhum momento uma perspectiva cristã da estética, o que me permite uma identificação ainda maior com seu texto, numa renovação de minha própria fé e do lugar de Cristo em minha vida. Para ler de joelhos, tanto pela reverência quanto pelo martírio da dor.

2º LUGAR: A MORTE DE IVAN ILITCH (LEON TOLSTOI)

Incluiria facilmente esta caso resolvesse elaborar um Top Novelas da Minha Vida. De uma objetividade cristalina, a narrativa de Tolstoi foi o momento de luto supremo de meu 2010. Um livro sobre a morte de nós todos e a agonizante vida que a antecede, um enfrentamento, um consciente encarar de nossa debilidade e fraqueza, que, como em Wilde, não pretende aliviar minha dor de viver.

3º LUGAR: A TRANSPARÊNCIA DO TEMPO (FABIO ANDRADE)

Vencedor do Prêmio concedido pela Fundação de Cultura do Recife, o novo livro de Fabio Andrade (professor, amigo e exemplo) também me venceu por sua sensibilidade na maneira como levou-me à dor. Pois é do tempo a dor, e do poético a cura. Cada verso seu, cada silêncio e cada poema, ajudaram-me, em diversos sentidos, na conscientização do tempo em um domínio que transcende o cronos, mas que o subjuga para fazer da vida um breve eterno momento de alegria.

4º LUGAR: O CORPO IMPOSSÍVEL (ELIANE ROBERT MORAES)
Originalmente sua Tese de Doutorado, venho utilizando o livro de Eliane justamente para a pesquisa de minha Tese. Dentro dos diversos aspectos da Modernidade abordados, destaca-se o interesse pela fragmentação do corpo. Gosto muito da fluência de sua escrita, da leveza na erudição latente e alguns dos capítulos li como se estivesse com uma boa ficção em mãos!

MENÇÃO HONROSA: CREPÚSCULO / LUA NOVA / ECLIPSE (STEPHENIE MEYER)

E como já tinha comentado AQUI, não posso ser hipócrita e ocultar o prazer que me foi acompanhar a saga de Stephenie Meyer durante 2010 (a última parte guardei pro ano que vem). Digam o que quiserem, nada é comparável ao descompromisso e diversão que um bestseller oferece, e não tenho nenhuma pretensão de comparar produtos assim a livros como de Wilde ou Tolstoi (eu não sou tapado, né); só não podia deixar de fazer esta menção a livros que de certa forma resgataram em mim outro tipo de prazer pela leitura, em muito responsável por hoje ter me tornado um homem de letras.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

ENIGMAS

E não é possível falar de Antonioni e Pintura sem lembrar De Chirico, uma das maiores recorrências visuais de todo universo metafísico do cinema que amo. E eu me perco aqui, entre estes dois seres esmagados, reduzidos à sombra que são, ao disforme de sua presença, numa cidade que é deserto, num lugar em que só há espaço para mais de meu vazio.


O Enigma de uma Chegada, 1912.

“Mais que seres vivos, isso que entendemos como seres vivos, homens ou cavalos, [os personagens de Chirico] parecem objetos inanimados, mais mortos que os mortos, mas que retomam de forma estranha e da maneira mais surpreendente algumas prerrogativas da vida.”
Georges Ribemont-Dessaignes

“Por certo, não é a vida humana que se afirma nas telas de Chirico, mas a vida das coisas.”
Eliane Robert Moraes



A Nostalgia do Infinito, 1914.

“É essencial que o pensamento se separe de tudo que nós chamamos de lógica ou significado, que se coloque em tal distância dos grilhões da humanidade, que as coisas apareçam sob uma nova luz, como se iluminadas por uma constelação ofuscante.”
Giorgio de Chirico



O Enigma de um Dia, 1914.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

ANTONIONI, PINTOR

O lado mais curioso da minha experiência pictórica é que, quando pinto, não me sinto como um pintor.

Quando começo a executar estas pequenas pinturas, elas parecem-me imediatamente insuficientes. É por essa razão que pensei também em fotografá-las e depois ampliá-las: até certo ponto, pensei que era inconcebível que fossem obras minhas.



Retrato, Michelangelo Antonioni.

Eu só pintei enquanto criança, mesmo que nessa altura eu só preferisse pintar caras, a da minha mãe e a do meu pai ou a de Greta Garbo. Mas nunca pintei a minha, uma vez que não me posso ver.

Há alguns anos pintei outras caras, as de desconhecidos e de amigos imaginários. Cortei uma dessas pinturas em pequenos pedaços e depois recontruí-a. o resultado foi uma montanha e foi assim que comecei. A partir daí, deixei-me levar pelo entusiasmo. Experimentei tal sensação de liberdade e um sentimento de alívio de já não ter que lutar com problemas ou idéias que quando comecei a pintar senti que nunca mais deixaria de o fazer.



As Montanhas Encantadas, Michelangelo Antonioni.

A alegria de trabalhar, a alegria da tranqüilidade ou do equilíbrio, como Gide definiu.

O processo das “Montanhas Encantadas” consiste totalmente na ampliação. É ampliação que revela em pormenor o material invisível da pintura original. É um processo semelhante ao que surge em “Blow Up”. Além disso, foi uma experiência muito interessante para mim enquanto realizador, mesmo que nunca me tenha ocorrido que tomei parte do mundo da arte, porque não sabia dizer a que forma de arte eu poderia atribuir estes objetos.

Se é verdade que por escrevinhar em pedaços de papel eu escapei do cinema, também é verdade que de alguma forma me aproximei dele através da ampliação fotográfica.



As Montanhas Encantadas, Michelangelo Antonioni.

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Imagens digitalizadas a partir do livro Michelangelo Antonioni: A Investigação, organizado por Seymour Chatman & Paul Duncan (Taschen, 2004).

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UMA LUZ NO INÍCIO DO TÚNEL


Gradiente Luminoso, Jan Krüger, 2009.

É muito fácil enxergar na última década um interesse do cinema no sentido de uma reintegração do homem com a natureza. Dentro do significativo número de produções que colocou em cena o rompimento do humano com o mundo encontramos um nicho específico de filmes que tem como tema comum a errância de dois indivíduos masculinos numa relação entre si e com o espaço. Do meu querido divisor de águas, Gerry (Gus Van Sant, 2002), a filmes mais conhecidos, Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul, 2004), Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005), ou menos conhecidos, Old Joy (Kelly Reichardt, 2006), vêm à memória diversos títulos que ajudam a entender o cinema deste início de século, em sua perspectiva conciliadora, restauradora de uma comunhão perdida, numa espécie de avesso do que os primeiros cinemas constataram em sua forma de registrar o mundo.

Em continuidade a este projeto do olhar e do narrar, deparo-me com Gradiente Luminoso (Rückenwind), filme que dá mais um passo na interação dos filmes citados, finalmente sem o temor de abordar a sexualidade dos protagonistas como algo que, naturalmente, também não é temido por eles. À medida que o desinibir dos corpos se dá, na nudez e na intimidade deles, fico me perguntando se realmente já é possível verter esse tipo de tratamento ao que filmes como Gerry iniciaram na investigação cinematográfica contemporânea. O que, para muitos, poderia representar uma quebra de paradigmas, uma derrubada de tabus, prefiro encarar como um novo problema a ser discutido, pois se os jovens filmados pelo alemão Krüger já não experimentam da ambigüidade em seu relacionamento, o mesmo não pode ser dito das imagens em si que materializam o filme. Tantos disseram que naqueles filmes (Gerry, Mal dos Trópicos, Brokeback Mountain, Old Joy) o sexo era a chave de resposta, a espécie de luz no fim do túnel; assistindo Gradiente Luminoso percebo que ainda não conseguimos nem entrar em túnel algum.