quinta-feira, 27 de agosto de 2009

CONVITE LITERÁRIO



Pessoal, estou super orgulhoso por estar participando com 3 poemas na Antologia Poetas da Capunga, a ser lançada nesse sábado (29/08), às 20h, no Salão Social da Igreja Batista da Capunga, aqui em Recife (ao lado do Colégio Americano Batista).

Deixo o convite para todos os amigos e interessados que desejem participar da cerimônia de lançamento seguida do momento de autógrafos.

O MISTÉRIO DE OBERWALD


O Mistério de Oberwald, Michelangelo Antonioni, 1981.

Novo post no MAKING OFF.
(outra parceria com xKoJaKx)

Il Mistero di Oberwald é uma obra inteiramente eletrônica, que utiliza inclusive facilidades do sistema digital, ainda em fase de criação na época de sua rodagem. O filme foi duramente criticado por Coppola, que considerou inoportuna a experiência de Antonioni com fita magnética numa época em que não estava ainda suficientemente aperfeiçoada para render resultados qualitativos no cinema. De fato, ampliada na tela grande do cinema, a fita de Antonioni ‘granula’, denunciando a base reticulada de sua imagem, sem dizer que a diferente modalidade de projeção da luz no cinema deixa suas cores esmaecidas, como se estivessem ‘lavadas’. No entanto, problemas pessoais à parte (Coppola jamais perdoaria Antonioni por ter chegado antes dele ao cinema eletrônico), a baixa definição das imagens de Oberwald resulta adequada à narrativa do filme, ela própria vaga e levemente alucinatória, aumentando os seus recursos expressivos. Claro, Coppola trabalha com um conceito de ‘qualidade profissional da imagem’ que é moeda corrente em Hollywood, mas não cabe no universo radicalmente experimental de Antonioni. Mais que isso, como bem observou Guido Aristarco, há uma sutil divergência entre o projeto estético de cada um: para os americanos, a eletrônica vai no sentido de proporcionar efeitos visuais de tipo pirotécnico, enquanto em Antonioni ela se torna o meio propício para o florescimento de uma estrutura epifânica, mais própria de uma viagem interior do que um espetáculo exterior. De qualquer forma, em um e outro ela determina estilos e rendimentos poéticos completamente diferentes.

A idéia central de Oberwald é explorar expressivamente uma propriedade exclusiva do vídeo digital: a manipulabilidade das cores. Como se sabe, em Il Deserto Rosso (1964) e em Zabriskie Point (1970), Antonioni experimentou a cor como elemento dramático, procurando liberá-la do vínculo realista, para trabalhá-la de forma significante no contexto da narrativa. A tarefa era árdua, entretanto, pois o suporte fotoquímico da película determinava sempre padrões cromáticos rígidos e não dava brechas para a intervenção criativa do realizador. Com as máquinas eletrônicas de tratamento numérico Antonioni percebeu que podia dar autonomia às cores e utilizá-las como elementos significantes independentes dos objetos que coloriam. Manipulando tais máquinas, ele podia adicionar, suprimir ou alterar cores da imagem, intervir sobre sua qualidade e modificar os valores de saturação e tonalidade. Eram a independência da cor e a superação dos determinismos naturalistas impostos pelo suporte fotográfico, sonho que o cineasta italiano perseguiu ao longo de toda a sua obra colorida.

Uma vez rodados os planos com recursos eletrônicos, Antonioni fazia passar a fita magnética pelas máquinas de efeitos e alterava inteiramente as relações cromáticas originais, sempre em função de suas idéias plásticas. Podia concentrar sobre um objeto determinada intensidade cromática ou modificar as tintas do fundo segundo sua intenção expressiva. Assim, por exemplo, o maquiavelismo do conspirador do trono, o Conde (Paolo Bonacelli), era revelado no filme por uma mancha arroxeada que exalava de sua figura e contaminava todos os objetos por onde ele passava. Nos momentos de transcendência onírica, como a cavalgada da rainha (Monica Vitti) pelos bosques de Oberwald, as cores explodiam e se punham a modificar em plena duração do plano. O resultado é eloqüente, porém bastante controlado para não descambar em pirotecnia. Afinal, Antonioni é conhecido no cinema pela sua finura e jamais permitiria que o computador transformasse seu filme num caleidoscópio. Mas no balanço de sua experiência com a mídia eletrônica, o cineasta é incisivo: “Em nenhum outro campo como no da eletrônica, poesia e técnica podem caminhar dando-se as mãos.”

Arlindo Machado
(A Arte do Vídeo)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

PELO CINEMA DE BRUNO DUMONT

Pois é, o que eu temia aconteceu. Desconfortei o público Dissenso na última sessão com esse filme que me é tão precioso, mas que permanece incompreendido, talvez ainda mesmo por mim... Não pretendo aqui responder as acusações feitas contra o filme, até porque sinto que o filme por si pede conscientemente muitas dessas acusações; mas resolvi trazer um post que estava mesmo devendo desde que toquei na carreira como um todo de Bruno Dumont, que apesar de tão curta já me revela um grande cinema.

Todos por aqui sabem como fui afetado por Dumont durante esse ano (o marcador aí ao lado abriga os posts relacionados). Desde Twentynine Palms, meu favorito, acabei escrevendo um pouco sobre cada filme, reunindo os ângulos que em mim ficaram, e rapidamente percebi que um post maior, com a relação dos quatro filmes, seria necessário. Na verdade, ao reler tudo que escrevi percebo que caminhei nessa direção, pois o próprio cinema de Dumont, filme a filme, trilha um percurso planejado, coerente e com um sensível amadurecimento que ultrapassa a suficiência de sua forma já tão individual e voluntariamente inconfundível.

O aspecto central que me impulsiona a olhar o cinema de Dumont não como o que denominaram ‘naturalismo frio’ mas como uma calorosa abordagem do humano, vincula-se à exploração de duas constantes bastante enfáticas desenvolvidas pelos 4 filmes: O Amor/Sexo e A Morte/Violência.


A Vida de Jesus, 1997.

A Humanidade, 1999.

Twentynine Palms, 2003.

Flandres, 2006.

Os motivos são arbitrários. Qualquer tentativa de explicação para a violência que explode em Bruno Dumont, seja no início ou no final das projeções, é absurda. Não cabe justificar atos que terminam centrais ao enredo, assim como nunca cabe perguntar um ‘por que’ para um de seus filmes. Todos os questionamentos levantados pelo cineasta só encontram lugar no além da obra, para depois da tela em créditos, mas na continuidade imagética que permanece no íntimo de seu espectador. E a permanência é inevitável.

Passados os primeiros minutos de seu primeiro filme já basta para saber que dali em diante é inútil querer entender o que se passa na cabeça dos personagens, em sua apatia quase apaixonante, por isso não consigo enxergar no cinema de Dumont um simples cinema de tese. As cartas não estão totalmente expostas. O que paira nada mais é do que a sensação de uma convicção autoral, algo que para mim é no mínimo essencial para uma motivação artística, pois reduz o risco nocivo da gratuidade. E aí está uma palavrinha chata que gosta de perseguir Bruno Dumont.

É muito difícil ler algo a respeito de seu cinema (especificamente sobre Twentynine Palms) que não se afete por uma interpretação do gratuito, ou seja, que não tente experimentar o filme pelo que ele realmente é e não pelo que ele carrega como apenas aparente. Por mais que a violência e o sexo nos filmes de Dumont pareçam gratuitos, ainda que uma gratuidade consciente e planejada, não consigo deixar de me perguntar o que define a gratuidade na Arte. Afinal, não será a Arte um grande lugar para o gratuito habitar? E ainda que eu corra o risco de me contradizer diante do conceito do gratuito, algo muito provável pois carregado de ambigüidade, arrisco que o impasse aí levantado não deixa de somar maior mérito ao desentendimento dos fatos, pois confere ao cinema de Dumont um lugar de incomodado desinteresse, profundamente falso, visceralmente catártico.

Foi Nagisa Oshima quem certa vez deixou escapar que o maior desejo de todo cineasta é filmar o homem no momento do gozo sexual e no suspiro último de sua morte. Apesar de tais palavras não serem necessárias diante de uma obra que já testifica tais ambições com tanta sinceridade, Oshima definiu com essa afirmação mais do que quase todas as descartáveis teorias que o cinema cientificou em pouco mais de um século. Essa verdade durará muito mais do que tudo que já se escreveu sobre o cinema, pois prosseguirá enquanto existir qualquer resquício de material com natureza cinematográfica. Tal certeza é o que me leva a acreditar que o cinema de Bruno Dumont sobreviva ao gosto/desgosto suscitado pelo instantâneo de uma projeção.


A Vida de Jesus, 1997.

A Humanidade, 1999.

Twentynine Palms, 2003.

Flandres, 2006.

É no amor que a esperança surge. Observar a manipulação do sexo no passo a passo de Dumont é constatar um evidente intensificar de complexidades que elevam os contornos de seus enredos de uma superfície rasa a um patamar fincado na necessidade humana do Outro. Não são muitos os cineastas que conseguem significar o sexo dessa forma. Agrade ou não, a exploração da cópula nos filmes de Dumont não existe apenas para pormenorizar os personagens, para expor-lhes detalhes de personalidade, muito mais, o sexo em Dumont deve antes de tudo ser sentido sob duas perspectivas: a erotização da imagem e o amadurecimento humano rumo ao amor. Lembrar a maneira como Dumont explicita o sexo na progressão de sua carreira basta para essa reflexão de mão dupla.

Em A Vida de Jesus, numa determinada cena, somos brindados com um desavisado close nos órgãos sexuais dos atores, flagrando o momento mesmo da penetração. Sim, poderia ser uma imagem pornográfica. Em A Humanidade o coito se aproxima mais da desumanização, ou melhor, da falta de carinho, de amor. Tudo é seco. Em Twentynine Palms há um momento em que os corpos já se contentam em repousar ao sol após a ineficiência sexual. É quando o calor aumenta. Finalmente em Flandres, na última cena (a imagem final), o casal não deseja outra coisa que não seja deitar-se e dizer ‘eu te amo’. E mesmo na neve, a imagem queima.

É uma carreira curta, mas que se permite emanar uma sensação de completude apaziguadora, sim, redentora. Acompanhar a continuidade desses quatro filmes é deparar-se com imagens progressivamente erotizadas, que acariciam os corpos de seus atores para tomar-lhes a graça, o suspiro do gozo. O cinema de Dumont ao quase assexuar seus personagens termina por sexualizar a imagem de maneira que mesmo sem homens o desejo permanece, e ele é tão fértil que talvez seja o grande responsável pela inevitável presença da morte.

Hoje, em minha memória, não consigo parar de assistir um único e longo filme nascido pela união destes quatro. Não fica apenas a continuidade progressiva do amor e da morte, mas um continuum de tempo e espaço como somente o cinema pode marcar em mim. É como se depois de tantas horas de projeção, vistas e revistas, apenas um ângulo restasse. Não uma imagem vista. Mas uma profunda sensação. Uma coisa. Que somente um bom cinema pode me fazer viver.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

SESSÃO DISSENSO



Será exibido esta semana Twentynine Palms, do diretor francês Bruno Dumont (mais conhecido por “A Humanidade”), filmado em território americano. O filme, que tem causado grande polêmica em suas exibições, não apenas pela abordagem feita ao sexo e a violência, mas pela aposta num enredo que explora um contundente ‘vazio narrativo’, é exemplo de uma vertente cinematográfica que tem marcado a presente década com um estilo peculiar a diretores como Gus Van Sant, Vincent Gallo, Lucrecia Martel, assim como os mestres do cinema contemporâneo asiático.

Obs: isso mesmo, o filme que tanto já comentei aqui no blog...

LIMPEZA URBANA


Limpeza Urbana, Michelangelo Antonioni, 1948.

Novo post no MAKING OFF.

“O cinema tem de se interessar pelo homem em sua aventura de todos os dias.”
Cesare Zavattini


Fiel ao conselho do grande teórico neo-realista, Antonioni compôs em N.U. um exemplo notável dessa forma de fazer cinema. O verbo ‘compôr’ vem mesmo agregar ainda mais significado a essa experiência documental, pois com o apoio musical de Giovanni Fusco, o que Antonioni faz nesses minutos de filme é uma verdadeira sinfonia, uma grande composição que harmoniza a um só tempo a realidade do grupo de pessoas filmadas (limpadores de rua) e o espaço em que essas pessoas trabalham e vivem. O esquecimento do monólogo habitual aos primeiros curtas do mestre, interrompido aqui em apenas 1 minuto de filme, dá lugar a um acompanhamento sonoro que valoriza mais que qualquer palavra as situações enxergadas, as imagens sobreviventes.

E nessa harmonia, é impossível não ouvir um prelúdio do futuro Antonioni, principalmente quando nos minutos finais ele se preocupa com menos gente e mais lugar, com menos barulho (e até música) e mais olhar. Aqui, um sinal do gênio que transformaria a utilização do urbano no cinema, que converteria o espaço a uma nova dimensão. Impossível ignorar.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

SETE CANAS, UM VESTIDO

Nota para os amigos leitores que não são membros do Making Off:
Agosto está sendo um mês dedicado a Michelangelo Antonioni por lá, por isso estou trazendo tantos posts sobre o mestre. Com o intuito de marcar presença acabei me apegando ao ritmo das postagens, fazendo tradução de legendas (já virou terapia) escrevendo a sinopse e as críticas, etc e tal. Como não está me sobrando tempo para escrever especificamente pra cá e eu levo um tempinho considerável para arrumar os filmes lá, aproveito e divulgo as novidades por auqi, afinal, são muito valiosas... Como por exemplo essa aqui:


Sete Canas, Um Vestido, Michelangelo Antonioni, 1949.

Novo post no MAKING OFF.

O filme documenta o processo de produção do raiom, desde a colheita das canas, a extração da celulose, a conversão em fios de viscose, até sua utilização em elegantes vestidos de moda.

Um milagre.
Esse é o termo usado por Antonioni para a transformação da cana em vestidos.

Um castelo.
É assim que ele chama a torre industrial enquanto ela expele sua negra fumaça.

Um poeta.
Como encontrar outro nome para Antonioni?

Muito mais do que um exemplar neo-realista, mas inserido no período em que Antonioni ‘engatinhava’ cinematograficamente agarrando-se no movimento italiano já consagrado; Sete Canas, Um Vestido me parece antes de tudo uma Poesia. Um deslumbramento. E em coerência com a metáfora do bebê que engatinha, como ignorar que esse é mesmo o papel do artista diante da vida? Diante dos acontecimentos do mundo que se aprisionam numa aparência insignificante para serem revelados exatamente pelo objeto de Arte.

Impressiona a exaltação do episódio narrado, não apenas pela alusão das palavras (milagre, castelo, etc), mas pela maneira como a câmera se deixa seduzir junto ao que filma. Seja a colheita, o exterior das fábricas, o trabalho dos operários, a repetição mecânica das engrenagens, tudo é minuciosamente acariciado por uma câmera que faz de suas imagens versos, de suas sombras rimas.

Nessa breve experiência há um abrir de olhos,
Um sinal de que o milagre realmente nascera.
O seu nome? Cinema.
Ou melhor: Antonioni.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

CHUNG KUO CHINA


Chung Kuo China, Michelangelo Antonioni, 1972.

Novo post no MAKING OFF.
(outra parceria com xKoJaKx, viramos dupla dinâmica mesmo!)

Em 1972, Michelangelo Antonioni decide partir para a China. Sua decisão foi motivada por um convite feito pelo governo do país e pela necessidade de espaço e tempo após a segunda experiência no mercado anglo-saxão, depois de ter assinado um contrato para a realização de três filmes – com distribuição internacional – para a MGM. Após Blow Up, em 1966, recebido de maneira morna pela crítica (e essa tensa relação com os críticos ocupa um particular espaço em sua trajetória), Antonioni foi violentamente atacado por Zabriskie Point (1970), especialmente nos Estados Unidos; ataques que o colocariam em defensiva não apenas em relação à imprensa, aos acadêmicos e aos colegas, mas sobretudo, às expectativas de Hollywood diante de seu cinema, do cinema italiano, de um jovem cinema europeu. Antonioni devia ainda um filme para a indústria, Passageiro: Profissão Repórter (1975), que seria realizado três anos após sua experiência chinesa. O tempo de espera, de reflexão, acontece, então, em diferentes partes do país, com as crianças que brincam em um parque, em uma cesariana, nos gestos da população. Seu filme é um retrato possível de uma nação em transformação, uma aproximação de 220 minutos entre o Ocidente e o maoísmo.

No ano de sua viagem, a China ocupava no imaginário ocidental um território entre o pânico, a euforia e a ignorância, um espaço, na verdade, que parece ser sempre o mesmo em diferentes momentos da história, como neste, agora. No final dos anos 1960, o maoísmo aparecia para uma jovem geração de intelectuais, artistas, estudantes e engajados de toda ordem como uma possibilidade, ema esperança entre a burocracia da então União Soviética e o imperialismo norte-americano. O maoísmo, como organização do Estado, da economia e da sociedade, se converteu em uma forma de romantismo político, uma moda, uma mercadoria para o consumo revolucionário. Antonioni pretendia um retrato da ‘misteriosa’ China, uma brecha pela qual os olhos ocidentais pudessem espiar, mas tudo o que pôde apresentar – uma idéia repetida por ele em sua narração em off – foi só um filme. Mas não só. Antonioni apresentou também um instante de cinema.

Cinema e filmes não são a mesma coisa. O que Antonioni experimentava nos Estados Unidos é o fato de Hollywood manter como preocupação a realização de filmes, e, nesse processo, o cinema deve aparecer se houver os ingredientes certos para que a combustão aconteça: um cineasta (e não apenas um diretor), uma idéia, coragem e uma intenção, que podem produzir um mau cinema, mas, ainda, cinema.

O crítico, escritor e jornalista francês Serge Daney, morto em 1992, aos 48 anos, e que dirigiu a mítica revista Cahiers du cinéma durante seus anos politicamente mais radicais, dizia estar o cinema e os cineastas determinados por uma questão moral: “O que é um cineasta se não alguém que em certo momento diz a si mesmo: eu não tenho o direito de filmar isso, eu tenho o direito de filmar aquilo. Penso que é seu papel tomar essa decisão, algo que nenhum outro pode fazer”. Mas Daney (que atacou China afirmando ter Antonioni filmado o país para afastá-lo do observador, como em um zoológico) acreditava também ser o cinema, como toda arte, uma relação com a herança, uma expectativa infantil, um prazer, a defesa de alguma coisa diante de alguém. Aqui, na estratégica viagem de Antonioni à China, pouco mais de trinta anos após sua passagem, é da herança, da influência e do futuro que tudo se trata. O que aproxima Michelangelo Antonioni da China? O que a China percebe em Michelangelo Antonioni?

Marcelo Rezende
(dossiê Revista Cult, jul.2005)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

10 ANOS DE CINEFILIA + ANIVERSÁRIO DO MESTRE









É dessas coisas que não dá pra racionalizar. Mas que existem e marcam pra sempre. Foi há dez anos. No centenário de Alfred Hitchcock. Naquela semana especial que o Corujão dedicava ao mestre. Aquela madrugada de segunda-feira. Meu nascimento.

No cadavérico olho de Janet Leigh meu embrião.

Se é necessário um sacrifício para a redenção, nessa morte eu encontrei a vida, a pulsão da imagem. Na mais impressionante sequência que o cinema já concebeu. Não me importa a morbidez da situação, pois é por ela que eu cheguei aqui. Como se em cada facada (não vista) os primeiros fôlegos me tomassem. Em seu último grito minha primeira voz.

Me faltam palavras e até ângulos para expressar o que gostaria.

Que o mestre fale por mim:

Minha principal satisfação é que o filme agiu sobre o público, e disso eu fazia muita questão. Em Psicose, o tema me importa pouco, os personagens me importam pouco, o que me importa é que a montagem dos fragmentos de filme, a fotografia, a trilha sonora e tudo o que é puramente técnico conseguiram arrancar berros do público. Creio que para nós é uma grande satisfação usar a arte cinematográfica para criar uma emoção de massa. E, com Psicose, realizamos isso. Não foi uma mensagem que intrigou o público. Não foi uma grande interpretação que transtornou o público. Não era um romance muito apreciado que cativou público. O que emocionou o público foi o filme puro. E daí vem o orgulho que sinto de Psicose: é um filme que pertence a nós, cineastas, a você e a mim, mais do que todos os filmes que fiz.
ALFRED HITCHCOCK

Feliz Aniversário!

O CONDENADO


O Condenado, Carol Reed, 1947.

Novo post no MAKING OFF.

SINOPSE:
Militante, líder de uma Organização anti-governista e ex-presidiário, organiza um assalto a uma fábrica em forma de protesto. Envolvido numa imprevisível reação dos seguranças, termina gravemente ferido e abandonado pelos amigos. Vagará sem rumo encontrando apoio entre pessoas desconhecidas, carregando a possibilidade de ter assassinado um dos seguranças. Na verdade, a culpa é o que lhe dói mais. Como sobreviver ao peso de um crime? Como limpar e esquecer as mãos sujas de sangue inocente?

CRÍTICA:
O primeiro filme de Carol Reed após a Guerra coincide com o início do que pode ser considerada uma grande trilogia sobre Culpa e Inocência. Todas as questões morais envolvidas em O Condenado serão prosseguidas por suas próximas obras: O Ídolo Caído (1948) e O Terceiro Homem (1949). E não apenas elas, mas inúmeras outras características que conferem uma impressionante coerência ao universo dos 3 filmes. A mais notável, provavelmente, consiste na excelência técnica envolvida para a criação do suspense. Poucos cineastas conseguiram naquela época construir e sedimentar uma carreira com bases tão sólidas nesse nobre gênero cinematográfico, o que faz de Reed não apenas um conterrâneo do grande mestre Hitchcock, mas uma voz independente e notória na utilização do medo como motor narrativo.

“Em meu trabalho não existe o bem ou o mal, só inocência ou culpa.” Essa é uma das frases ditas pelo investigador em sua busca incessante contra o fugitivo, muito bem ecoada pela própria voz de Reed. Com sua discreta maneira de abordar o político através do espetáculo audiovisual no que ele pode oferecer de mais catártico, Reed compõe em O Condenado um grande leque de situações antológicas, inundadas por um sem número de personagens caricatos e inesquecíveis, cada um com uma maneira de olhar a culpa do protagonista. Aliás, esse último, numa visceral interpretação de um James Mason moribundo, nada mais será do que uma representação da própria culpa humana, uma expiação, num sacrifício e paixão cristãos, constantemente confirmados pela intertextualidade bíblica que a obra transborda.

O agonizar do homem, entremeado por inúmeras reviravoltas pelas ruas irlandesas, tão bem exploradas nos expressivos jogos de luz e sombra, fazem desse filme um dos exercícios mais físicos de Reed. Toda a inquietação moral e ética sobre o crime se delineará através de uma filmagem em incessante e rigorosa ação, encontrando no cinema o escape perfeito para perguntas que não calam na alma. Reed, consciente de seu lugar na sétima arte, tirará proveito como poucos dessa linguagem. Nesse sentido, ele é um grande culpado.

A DAMA SEM CAMÉLIAS


A Dama Sem Camélias, Michelangelo Antonioni, 1953.

Novo post no MAKING OFF.
(outra parceria com o amigo xKoJaKx, valeu de novo!

SINOPSE:
Jovem e bela atriz, encantada com o mundo do cinema e o sucesso alcançado, não consegue administrar sua própria vida como gostaria. Envolve-se contra vontade com um produtor e após o casamento se vê mergulhada num conflito de emoções semelhante aos dramas de seus filmes. Não encontra felicidade em nada.
Descobre que toda a fama deve-se apenas a sua beleza, e que ninguém lhe acredita capaz de uma boa atuação. Se esforçará para mudar esse quadro. Tentará encontrar amor em outro homem. Mas como ser feliz além das telas? Como sobreviver com a beleza no mundo real?

CRÍTICA:

Um filme sobre dor, sobre amores frustrados, sobre a incompletude e a ilusão da felicidade. Antes de tudo, um filme sobre o cinema. Em A Dama sem Camélias, Antonioni exercita uma melancólica metalinguagem para se aventurar numa psicologia desesperada, numa personagem que já suporta grande parte de tudo que sua obra ainda refletirá sobre o feminino. O espaço para sorrisos é pequeno. A verdade sobre o entretenimento cinematográfico é dúbia. E por estar no terreno da sétima arte, Antonioni terá oportunidade para tecer um ácido tom crítico sobre o mundo das celebridades, a distorção do entendimento de Arte, o desgaste de uma linguagem estética que se transforma em mercadoria e lucros.

A marcante utilização dos espaços filmados, sejam eles o centro urbano, os sets de filmagem (especificamente o cenários das ruínas), ou a mansão do casal principal, todos carregam o peso do olhar de um mestre. Aparentemente com menor rigor. Mas com uma preocupação que se detém na arquitetura da protagonista, pois é em seu corpo, no esculpir de seu belo rosto que residirá a falsa alegria. A dialética do corpo surge assim, num espantoso pensar da imagem, pois à medida que o cinema depende dos corpos e mesmo de sua beleza para o desenvolver narrativo, permanece o desafio de como representá-los sem uma indevida submissão.

A lágrima final é do próprio Antonioni. E não deixa de ser uma lágrima do próprio cinema. Engolida por um sorrir amargo. Por uma aparência de ilusão vencida, enganosa e enganadora. Mas que em Antonioni é revelada. Descoberta. Pois a felicidade é uma coisa frágil, possível de se encerrar com o acender das luzes.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

OS VENCIDOS


Os Vencidos, Michelangelo Antonioni, 1953.

Novo post no MAKING OFF, em parceria com o amigo xKojakx.
(valeu mesmo meu caro, o trabalho foi uma delícia de fazer)

SINOPSE
Três histórias. Três destinos. Três crimes.
Um reflexo de uma juventude inconseqüente que sobrevive pelo prazer da violência e da impunidade, sem se importar com o sofrimento alheio.

CRÍTICA
A primeira imagem ficcional do filme, passados os 5 minutos introdutórios, abre com uma perspectiva profundamente antoniana. Numa rua qualquer, pois qualquer rua do mundo, um homem pobre atravessa sussurrando uma triste melodia. Cruza a tela até encontrar uma senhora que lhe joga da janela uma moeda. É na residência dessa mulher que se inicia a intriga. Mas mesmo lá dentro, longe da rua e do mundo, ainda poderemos ouvir os ecos do triste canto do homem. Uma cena única. Completa. Melancolia pungente que carrega a imagem e o som com uma realidade maior. Poderia abrir qualquer uma das 3 histórias, ou mesmo qualquer um dos filmes de Antonioni.



Certa vez inquirido sobre o desenvolvimento do neo-realismo em sua obra, Antonioni foi bem claro ao afirmar que não tinha nada contra o movimento, mas que dispensava as bicicletas... Não, ele não estava maltratando De Sica; sua necessidade era apenas expressar aquilo que distanciava/aproximava (pois aí temos uma via de mão dupla) seus filmes da aclamada vanguarda italiana do pós-guerra. O diferencial de Antonioni àquela época consistia justamente na maneira como ele estabelecia a vanguarda, pois sim, ela existia, certamente encontrando raros paralelos na história do cinema, mas numa perspectiva que mesmo ao trabalhar uma realidade suja, de um mundo desencantado, não deixava de se importar primeiramente com a realidade da alma. A realidade pela realidade, como a impressionante abertura documental de Os Vencidos coloca, corre o risco de ser “incapaz de seduzir alguém”.

Não é a primeira vez que Antonioni incorrerá no elemento criminoso para impulsionar a subjetividade de sua câmera. Desde Crimes da Alma a possibilidade do crime e mesmo a factualidade da morte entram em jogo para desdobrar seus personagens em situações de desespero, angústia e solidão. Em Os Vencidos, ao utilizar o crime como um ‘objeto de indagação’ (conceito de Ernest Mandel), Antonioni lida com a morte não pela tragédia, pelo sofrimento da perda, mas pelo âmago do que ele costuma investigar em seus tipos: como eles serão afetados por ela, e mais, como os espaços habitados por seus corpos resistirão ao fim de uma vida.

Como exemplo, podemos nos ater apenas à primeira narrativa do filme, passada na França. Os arroubos dos jovens, a articulação incomplexa do crime, as desavenças dramáticas, tudo é sublimado pela organização do espaço, pela maneira como Antonioni distribui o vigor de seus atores nas locações escolhidas, nos cenários únicos e inesquecíveis. A passagem do centro urbano para a idílica paisagem campestre antecipa o passeio à praia de As Amigas e todo o núcleo visual de A Aventura, o que hoje nos permite enxergar os rascunhos de um artista, já aí tão bem acabados. Ainda rascunhos, pois a sensibilidade temporal que posteriormente se destacaria pela preferência dos ‘tempos mortos’ ainda está contida. Mas bem acabados, pois neles já presente todo o inventário abstrato de uma geofísica vazia, a mesma que um dia seria lembrada por Deleuze como uma beleza de “paisagens desumanizadas”.

A oportunidade de experimentar Os Vencidos, após a consagração de toda uma carreira já bastante difundida, encontra no canto do homem pobre o melhor significado para a própria presença de Antonioni no universo cinematográfico. Um canto humilde, indecifrável, desencantado, mas profundamente audível, incessante, perene. Não deixemos de ouvi-lo.

domingo, 2 de agosto de 2009

MINHA ALIANÇA COM A ARTE

É um mês importante pra mim.
Entro nele confiante. Um pouco preocupado com a responsabilidade do fim de minha Dissertação, mas nada que exceda o terreno do natural.
Ainda mais, o comemorar de uma década de cinefilia entranhada. 10 anos de amor e lágrimas, de ângulos e imagens fluindo no sangue. Uma década de vida. Talvez não consiga externar por aqui o latejar interior.
Há pouco tempo para o tudo.
Mas o amor das pesquisas também virá.
Clarice, Schoenberg, Pollock, Marienbad... Há tanto EU neles!


Alliance, Arnold Schoenberg, 1910.

Ainda não entendi o motivo do esquecimento que a Modernidade legou ao Schoenberg pintor. Na verdade, meu deslumbramento recente por tal descoberta ainda nem acalmou. Há tanto espírito em seus pincéis! Tanta profecia!

É minha mão aí.
Minha aliança.

Abaixo, o fragmento de uma carta em versos (!) que completa exatamente um século de existência, endereçada ao compositor Ferruccio Busoni.
Quase um manifesto. Um grito. Que também é meu.
Não importa o tempo. Uma década ou um século.
O grito não pode encontrar o silêncio.
Que em mim os seus ecos persistam.

Luto pela libertação completa de todas as formas
de todos os símbolos de coerência e
de lógica.
Logo
fim à ‘execução de motivos’.
Fim à harmonia como
cimento ou tijolos de uma construção
Harmonia é expressão
e nada mais.
Portanto
Fim ao Pathos!
Fim às partituras longas e maciças de torres erigidas ou construídas,
rochedos e outras lengalengas pesadas.
Minha música tem de ser breve.


ARNOLD SCHOENBERG
(1 de agosto de 1909)