domingo, 13 de setembro de 2009

BAIXEZA / A ABSTRAÇÃO PELO NOIR

Tentando desesperadamente se reaproximar de um antigo amor, Steve Thompson retorna a Los Angeles. Descobrir que Anna agora pertence ao submundo do crime não é fácil, mas ele está disposto a tudo para reconquistá-la. Percebendo o interesse recíproco, envolve-se no planejamento de um mirabolante roubo a um carro blindado, colocando em jogo a vida do próprio pai.

Quais os limites da moralidade quando se ama?

É possível falar de amor quando o humano nada mais revela senão a face obscura de sua alma?



Baixeza, Robert Siodmak, 1949.

Novo post no MAKING OFF.

Em comentário ao trabalho de Robert Siodmak, o amigo Ranieri disse estarmos diante de um cineasta que “se abstrai pelo Noir”. Bela e verdadeira observação. Baixeza, uma das mais impressionantes incursões do diretor ao estilo, comprova em vários níveis essa certeza, desde sua narrativa e os temas que a compõem até a configuração final do mecanismo cinematográfico como aí vemos se desenvolver.

Em primeiro lugar, é muito importante termos em mente que Siodmak preocupa-se antes de tudo em contar uma história de amor. Isso mesmo. Uma boa e simples história de amor, que tão bem poderia nomear seus personagens como espécies de Romeu e Julieta, mas dentro de um âmbito escorregadio, inseguro como todo bom Noir deve ser. O amor, nesse terreno, não fica distante do que Shakespeare idealiza, mas talvez não almeje ser absoluto como aquele, pois a pedido da fórmula do Noir, seus personas não se assentam em apenas um lado da moeda, podendo às vezes esse amor ser sentido em momentos de profundo ódio. O mais abstrato dos sentimentos torna-se assim a mola propulsora do cinema de Siodmak, carregando Baixeza com um grau de incerteza que não se dissolve, mesmo quando já estamos certos de para onde estamos sendo conduzidos à medida que nos aproximamos de seu desfecho.

É o amor quem definirá o rumo do jogo, quem dará as cartas e terá maior poder para dominar cada uma das situações traiçoeiras a que somos apresentados. E é em nome do amor que Steve Thompson (um Lancaster milagrosamente fotografado) aceitará participar do golpe, antológico mecanismo de Siodmak que atesta o grau de abstração a que ele submete sua maneira de olhar o mundo. [destaque para as espantosas contribuições da trilha sonora -Miklós Rozsa- e da fotografia -Franz Planer-, pois ambas contribuem para esse sentido do inominável como Siodmak provoca]



O ângulo acima representa bem o trabalho do cineasta: o momento da explosão planejada anterior a um confuso Steve que não mais conseguirá enxergar um palmo à frente; um instantâneo de uma imagem rompida, invadida por um clarão que definitivamente abstrai a própria concepção de imagem, de realidade cinematográfica como o cinema clássico tem por costume apresentar. É a partir daí que a imagem compactuará com a incerteza de Steve, prosseguindo rumo ao desaparecimento sempre que lhe acometer uma perda dos sentidos.

O esfumaçar do ambiente, além de confundir os personagens / espectadores, aciona assim um novo estado narrativo, de liberdade intensificada, pois de mãos dadas a uma impressão onírica que nos acompanhará até o agônico encerramento. Baixeza configura-se enfim como um cinema nublado, um cinema que só pode externar seus contornos a partir de uma descontinuidade visual, esmagando a humanidade até que sobre apenas sua face mais vil, torturando o cinema em sua condição primeira de tornar visível; pois apenas pelo evanescer das formas poderemos vislumbrar o mais puro estado da arte.

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