domingo, 20 de setembro de 2009

PODEM CONFIAR...




Almas Perversas, Fritz Lang, 1945.

É muito gostoso rever meus comentários sobre alguns de meus filmes favoritos espalhados por este blog; palavras feitas assim, de chofre, logo após a descoberta de uma obra-prima... Geralmente acabo escrevendo bem pouco sob uma sensação de impotência, ou pelo contrário, escrevendo demais para terminar não dizendo nada... Acho que vou escolher a primeira opção para me referir a Almas Perversas, um duplo que Fritz Lang filmou um ano após Um Retrato de Mulher (comentado no post de ontem).

O mais curioso é que a maior admiração que nutri por Um Retrato de Mulher veio acompanhada de uma meticulosa racionalidade, pois é um filme a ser pensado e discutido sob inúmeros aspectos, como exemplifiquei no meu texto (aliás, maior do que deveria e tão incompleto por tudo que eu tinha a dizer). Já Almas Perversas, veio assim, e me pegou de jeito, emudecendo minha razão e restituindo a boa e velha capacidade que o grande cinema tem: a de fazer SENTIR.

Almas Perversas é um filme para ser sentido, vivido e experienciado no âmago das emoções. Tudo que eu posso dizer é que, hoje, por 100 minutos eu fui suspenso da minha realidade, perdi totalmente minhas referências de mundo, para acompanhar uma das artes narrativas mais desesperadoras que eu já vi. Sim, Almas Perversas passa a figurar no meu coração como o filme mais cruel que conheço. Uma história desgraçada, personagens malditos, a humanidade no que pode existir de mais vil e degradante, onde sequer a morte pode significar um alívio para a tragédia.

Certamente os ângulos contrastam com os de ontem, pois revelam os mesmos atores (Edward G. Robinson e Joan Bennett nos papéis definitivos de suas vidas), diante de uma situação que também envolve um retrato a ser feito da mulher. Sem dúvida filmes que se confundem entre si, que dependem um do outro como membros de um mesmo corpo, filmes que fazem o próprio cinema depender de criadores como esse camarada chamado Fritz Lang.

Não querendo me prolongar, deixo humildemente um pedido a todos que me toleram por aqui: confiem nesse filme! Sei que meu grito ecoa o desespero dos próprios personagens, mas não posso adotar outra postura no calor do que ainda estou sentindo, pela força com que fui tomado. Em mim, não apenas um dos melhores filmes do ano, mas um dos melhores de minha vida; uma profunda dependência pelo que aí vivi, e que certamente reviverei muitas e muitas vezes.

2 comentários:

  1. Claro q confio neste filme e no teu texto, Nando. "Almas Perversas", acho, é o ápice do Lang. É quando ele consegue ter um contato enorme com seu próprio cinema e não nega a ele a sua verve pessimista, obscura, fugitiva. Engraçado q não lembrava disso do retrato, no filme, q o personagem do E. G. Robinson pinta, mas que a autoria lhe é roubada - e q vc coloca a foto a ilustrar o post. Mais uma vez um objeto, mas dessa vez, uma obra de arte, terá uma função importante em Lang: não só o trio principal, mas a pintura em si traçará o laço de irmandade deste "Almas Perversas" com "Um Retrato de Mulher". Bravíssimo, Nando! Se o cinema é sentimento, há espaço até para a morte. Genial!

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  2. Pois é, e é por ser uma obra de arte que o quadro me significa muito mais do que só um objeto. Para mim, eles podiam ter arrancado tudo do protagonista, podiam ter destruído seu casamento, feito-o perder seu emprego, ir preso, terminar na sarjeta, TUDO, mas privarem-no de sua arte, de seu reconhecimento, da única coisa que era realmente SUA, não, isso foi demais pra mim...
    E quando eu penso em como o próprio Lang quase viveu esse drama nas mãos do nazismo o sentimento cresce ainda mais. Sua luta, obstinação, sua fé em si mesmo e em sua arte... "Almas Perversas" me parece o profundo medo de Lang diante do que poderia ter sido sua própria vida... Por isso há tanta verdade aí.

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