domingo, 7 de fevereiro de 2010

QUE A VIDA SEJA...

É mesmo como se eu tivesse travado desde o último post...
Como se ainda houvesse tanto a dizer...
Ah! Como se eu fosse capaz de ultrapassar o sentir...

Provavelmente meu olhar foi contaminado pelo filme A Viagem do Balão Vermelho (Hou Hsiao Hsien, 2007) de uma forma irremediável. Não tenho conseguido, desde então, assistir nada sem desejar algo que se aproxime do conseguido por Hsien nessa tão singela narrativa. E o mais incrível é que o conseguido mal pode ser identificado como algo tão evidente ou surpreendente. Nada salta aos olhos, mas tudo os penetra e constrange como pedindo morada e atenção. Pois eu me sinto, hoje, um habitante do filme. Do universo ali construído. E é impossível negar o fato que Hsien tenha realmente originado uma cosmogonia em suas imagens, nessa Paris de sonhos, especialmente no aconchego do apartamento em que transcorre a maior parte do enredo, onde se instaura a memória.

Juliette Binoche não é apenas a mãe de um personagem, ela é a mãe de todos nós; O lugar em que ela vive é o nosso lar, doce lar; Suas recordações são as nossas... Cada movimento interno é tão impregnado de verdade e casualidade que já não sabemos se somos nós quem temos a memória incomodada pelo filme, lembrando-nos de fatos vividos no passado, ou se é o próprio filme quem sofre com a nossa intromissão, permitindo-nos abandonar a posição de espectadores para nos tornar co-participantes desse novo mundo, de um lugar que reflete e refrata em plenitude o lado de cá da tela, quase não identificável diante de tamanho excesso de vida.



O vidro é um dos principais elementos que permitem o ponto de criação. Mais revelador que o espelho (objeto já esgotado no cinema), o vidro tem a dupla função de, em determinados ângulos, oferecer o reflexo da imagem em frente a ele, ao mesmo tempo em que revela o que está atrás, do outro lado. A excepcional utilização de vidros no decorrer do filme é o que permite o instaurar deste novo universo. Um universo em que o campo e o contra-campo co-existem numa mesma duração e num mesmo espaço, onde o físico é experimentado na superfície agora possível da metafísica, lugar em que a imagem torna-se o centro de todas as coisas e somente por meio dela a vida se faz.



No ângulo acima, para ficarmos num breve-enorme exemplo, temos a criança brincando dentro da loja, temos um mundo junto à criança, formado pelo que ela vê, toca e apreende; mas também há um mundo do lado de fora, prédios, pedestres, tráfego; e como definir o que é o dentro e o fora nesta imagem? Seria ridículo sequer afirmarmos que a câmera ficou no fora, ou melhor, seria meramente físico apontar isso. O que conseguimos diante da cena é uma realidade que ignora completamente o lugar da matéria original, possibilitando um dar a ver pleno, íntegro, que pulsa o olhar para além de um foco de câmera fazendo brotar nele um instante de vida, e o mais importante, acumulado de afeto a um nível quase insuportável.

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