quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

DA DOR PELA IMAGEM


Brokeback Mountain, Ang Lee, 2005.

Pelo retrovisor, a dor aumenta na mesma medida em que a imagem vai perdendo tamanho, tornando-se mais e mais turva até o ponto onde o espelho reflete a angústia de ter um coração cheio diante de uma estrada vazia.

As palavras de Annie Proulx, autora do notável conto adaptado pelo filme de Ang Lee, concentram pelo menos duas prerrogativas que fazem de Brokeback Mountain uma potencial experiência cinematográfica pura. A primeira, bastante óbvia na superfície das palavras, está inserida no paradoxo criado entre a dor e a imagem, uma relação estabelecida pelo ponto de vista do homem que parte e daquele que o vê partir, do que há de distanciamento entre os corações que estranham o amor e alicerçam seu sentimento na reciprocidade da imagem que um nutre do outro, para o outro, dentro de si; a segunda, também presente no que é condicionado pela distância, na evidência da 'estrada vazia', se permite apreender, agora, pela superfície do filme, no tratamento dado ao espaço e na maneira como este, em seu esvaziamento, influirá no desejo de tornar o amor um permanente estado presente, maior que a dor, que a memória e a urgência do toque.

Da dor pela imagem, há neste conto romântico, uma clássica apropriação do amor que subsiste pelo que traz de simbólico, de signo – lembremos da lógica dos sentimentos peirceana. Emoções são impressões, e não há impressão que não seja também uma representação, que não traga no sentir um anteceder do outro, do ente amado. Ennis Del Mar e Jack Twist, homens que se descobrem apaixonados e que pautam seu romance na diluição da imagem e do imaginário masculino, repleto de parâmetros repressores que se dizem inquestionáveis, precisam, para se amar, reinventar a imagem que lhes é própria, mas que fora imputada pelo externo (histórico, social, religioso, moral).

É quando a montanha torna-se o ponto de redefinição dos valores.




Evocada por religiões arcaicas como o 'centro do mundo', a 'sustentação do firmamento' e o 'cume original da criação', a região montanhosa é valorizada pela narrativa de Proulx, e especialmente pela visualidade conseguida por Ang Lee, como o espaço ideal do amor. Com ela, encontramos o potencial romântico do espetáculo cinematográfico em seu esplendor, onde cada plano, cada articulação do espaço e dos corpos nele inseridos, revelam o que há de genuinamente emocional na abertura de um gesto panorâmico. Importa lembrar: nunca, em todo o filme, estaremos acima do horizonte, por sobre a montanha (inexistem os contra-plongées); ao contrário, é ela (a montanha) quem se coloca de frente para nós, sobre nós, intensificando a opressão do amor que assola os guardadores de rebanhos.

O que Ang Lee faz, ao deformar o original literário (no conto não há o retorno à Brokeback na vida adulta dos personagens), é dar forma de cinema ao amor que concretizou o status de para sempre. Pois cinema é espaço – não importa o que digam aqueles que tentam esquecer e denegrir isto – e do movimento no espaço ele encontra os meios (duração, ilusão, atualização do tempo) para suprimir as distâncias, aquilo que há de virtual na imagem, na representação, no sentimento de amar.

2 comentários:

  1. Belo texto. Ang Lee e seus colaboradores alçaram à universalidade um romance tão particular, uma história de amor tão devastadora (para os próprios personagens, especialmente). O filme ocupou meus pensamentos por semanas após o ter visto pela primeira vez. Não por acaso, é meu favorito. Arrebatador e inesquecível.

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  2. Bacana o seu blog, Fernando. Gostei.
    Abraços

    www.ofalcaomaltes.blogspot.com

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