quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O MISTÉRIO DE OBERWALD


O Mistério de Oberwald, Michelangelo Antonioni, 1981.

Novo post no MAKING OFF.
(outra parceria com xKoJaKx)

Il Mistero di Oberwald é uma obra inteiramente eletrônica, que utiliza inclusive facilidades do sistema digital, ainda em fase de criação na época de sua rodagem. O filme foi duramente criticado por Coppola, que considerou inoportuna a experiência de Antonioni com fita magnética numa época em que não estava ainda suficientemente aperfeiçoada para render resultados qualitativos no cinema. De fato, ampliada na tela grande do cinema, a fita de Antonioni ‘granula’, denunciando a base reticulada de sua imagem, sem dizer que a diferente modalidade de projeção da luz no cinema deixa suas cores esmaecidas, como se estivessem ‘lavadas’. No entanto, problemas pessoais à parte (Coppola jamais perdoaria Antonioni por ter chegado antes dele ao cinema eletrônico), a baixa definição das imagens de Oberwald resulta adequada à narrativa do filme, ela própria vaga e levemente alucinatória, aumentando os seus recursos expressivos. Claro, Coppola trabalha com um conceito de ‘qualidade profissional da imagem’ que é moeda corrente em Hollywood, mas não cabe no universo radicalmente experimental de Antonioni. Mais que isso, como bem observou Guido Aristarco, há uma sutil divergência entre o projeto estético de cada um: para os americanos, a eletrônica vai no sentido de proporcionar efeitos visuais de tipo pirotécnico, enquanto em Antonioni ela se torna o meio propício para o florescimento de uma estrutura epifânica, mais própria de uma viagem interior do que um espetáculo exterior. De qualquer forma, em um e outro ela determina estilos e rendimentos poéticos completamente diferentes.

A idéia central de Oberwald é explorar expressivamente uma propriedade exclusiva do vídeo digital: a manipulabilidade das cores. Como se sabe, em Il Deserto Rosso (1964) e em Zabriskie Point (1970), Antonioni experimentou a cor como elemento dramático, procurando liberá-la do vínculo realista, para trabalhá-la de forma significante no contexto da narrativa. A tarefa era árdua, entretanto, pois o suporte fotoquímico da película determinava sempre padrões cromáticos rígidos e não dava brechas para a intervenção criativa do realizador. Com as máquinas eletrônicas de tratamento numérico Antonioni percebeu que podia dar autonomia às cores e utilizá-las como elementos significantes independentes dos objetos que coloriam. Manipulando tais máquinas, ele podia adicionar, suprimir ou alterar cores da imagem, intervir sobre sua qualidade e modificar os valores de saturação e tonalidade. Eram a independência da cor e a superação dos determinismos naturalistas impostos pelo suporte fotográfico, sonho que o cineasta italiano perseguiu ao longo de toda a sua obra colorida.

Uma vez rodados os planos com recursos eletrônicos, Antonioni fazia passar a fita magnética pelas máquinas de efeitos e alterava inteiramente as relações cromáticas originais, sempre em função de suas idéias plásticas. Podia concentrar sobre um objeto determinada intensidade cromática ou modificar as tintas do fundo segundo sua intenção expressiva. Assim, por exemplo, o maquiavelismo do conspirador do trono, o Conde (Paolo Bonacelli), era revelado no filme por uma mancha arroxeada que exalava de sua figura e contaminava todos os objetos por onde ele passava. Nos momentos de transcendência onírica, como a cavalgada da rainha (Monica Vitti) pelos bosques de Oberwald, as cores explodiam e se punham a modificar em plena duração do plano. O resultado é eloqüente, porém bastante controlado para não descambar em pirotecnia. Afinal, Antonioni é conhecido no cinema pela sua finura e jamais permitiria que o computador transformasse seu filme num caleidoscópio. Mas no balanço de sua experiência com a mídia eletrônica, o cineasta é incisivo: “Em nenhum outro campo como no da eletrônica, poesia e técnica podem caminhar dando-se as mãos.”

Arlindo Machado
(A Arte do Vídeo)

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