terça-feira, 21 de julho de 2009

EM PERMANENTE ESPERA






O Terceiro Homem, Carol Reed, 1949.

Por conta de minha recente aproximação com O Ídolo Caído acabei revisitando O Terceiro Homem, filme do qual guardava poucas lembranças. Curiosamente, a essas poucas acho que poucas se acrescentarão, pois as que em mim já habitavam eram inquestionavelmente as melhores de todo filme. Óbvio: todas as aparições de Orson Welles... Impossível não perceber como até as filmagens se aprimoram com sua presença em cena! É com ele que os cenários melhor dialogam: o parque de diversões e a assombrosa roda-gigante, os becos escuros da Viena noturna, os inesquecíveis dutos do esgoto sujo, largos, úmidos, quase palpáveis... É, esses últimos se destacam. A abertura das lentes aos longos corredores é a mais perfeita possível, a agilidade dos cortes, o esconde-esconde com a polícia, um vai e vem que parece grudar Welles pelas paredes, tornando-o parte integral daquele sub-mundo, daquele espaço degradado, esquecido, podre.

Mas como sempre, rever uma obra-prima nunca é vão! E como estou satisfeito por ter adicionado mais uma cena em minha memória... Não, sem Welles, na verdade, quase sem ninguém, numa imagem onde os corpos parecem apenas pontos perdidos no espaço, distanciados para todo o sempre, sem a menor possibilidade de contato. Estou falando da última imagem (interessante como desde aquele post em que refleti A Imagem Final tenho me surpreendido com grandes encerramentos cinematográficos), a cena em que Joseph Cotten espera Alida Valli (os personagens nunca superam os atores...), numa última tentativa de aparente sedução, expectativa de desejo.

Ela caminha em nossa direção.
Passos inteiramente e pacientemente filmados.
Desde o fundo da perspectiva até a superfície da tela.
Passa sem sequer dirigir-lhe um olhar.
E o espaço permanece vazio.
Pois nem o homem parece mais existir quando sozinho.

Carol Reed supera todas as expectativas com esse final, pois demonstra não ter medo da duração excessiva do tempo filmado, nem do conteúdo encenado, com uma melancolia despreocupada tão distante dos necessários happy end do cinema clássico. Isso, tudo isso pra lembrar como Reed soube ser moderno em seu tempo, à sua maneira, discreta, mas eterna. Nesses últimos passos, nessa perspectiva infinita, diversos são os modernos que habitam, de Antonioni a Gerry, está tudo lá, no núcleo da imagem. Eu permaneço com Cotten, na solidão de uma espera, de uma contemplação que na verdade nem deseja mais nada, mas que se contenta em ficar, em preencher um mundo encerrado que não termina de existir.

Eu sei que algo vai me acontecer.

Um comentário:

  1. O desparecimento da Alida Valli, Nando, ao final de "O Terceiro Homem" tem a mesma natureza da aparição de Orson Welles. "Mágica" não é a palavra certa, pois a mágica talvez funcione, no cinema, se vista numa teoria baziniana de proibição da montagem (lembre-se e alerte-se, claro: em algumas situações, apenas), mesmo q a última still que vc colocou tente lembrar isso, de toda forma - ela vem e some; Joseph Cotten não se mexe; a palavra seria algo perto do escorregadio: nunca vamos capturar Welles neste filme, embora as melhores sensações sejam as q a lembrança dele faz suscitar.Até mesmo sua ausência, já que Reed prepara o filme para sua chegada. Alida Valli, então, faz questão de seguir Welles: como no começo de "O Terceiro Homem", ela precisa sair do quadro (e não era essa a situação de Harry Lime? Estar, mas um estar, profundamente, fora do quadro?), fechar um ciclo, começar outro mistério: e quem era aquela mulher? Grande Carol Reed! Vou baixar, qualquer dia desses, o "O Ídolo Caído", q vi no MKO!
    Abração, Nando!

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