domingo, 19 de julho de 2009

O ÍDOLO CAÍDO


O Ídolo Caído, Carol Reed, 1948.


Novo Post no MAKING OFF

SINOPSE:

Tudo está tranqüilo na Embaixada londrina. Philippe, o filho do embaixador, se relaciona em veneração com seu mordomo, Mr. Baines. Por acaso, acaba se envolvendo nas complicações que este vem enfrentando em seu casamento.
Amor. Traições. Uma briga. Uma morte.
Como manter os pés no chão ao descobrir que seu ídolo é apenas um homem?
Como lidar com a possibilidade de um crime?
Como guardar um segredo?

CRÍTICA:

É com um relógio que os policiais tentam entreter o menino durante as investigações do crime; é num relógio que um dos serviçais se debruça para não permitir o atraso, atrapalhando ironicamente o trabalho dos investigadores; todo o prédio da Embaixada, em todos os andares, abriga relógios dos mais variados estilos e tamanhos. Não, a ênfase a esses objetos não é tão explícita durante o filme; mas é por demais curioso observar como a recorrência a eles esclarece um pouco mais do universo aí erigido.

Muitos foram os cineastas que imprimiram traços de uma modernidade urgente antes dos reconhecidos movimentos europeus que a segunda metade do século XX contemplou. Ora, até mesmo nomes como os dos irmãos Lumière contribuíram mais nesse sentido do que grande parte daquilo que se convencionou fazer com o aparato cinematográfico nas décadas seguintes, dentro da nomenclatura ‘Cinema Clássico’. Por isso é tão satisfatório deparar-se com exemplos de um cinema assumidamente clássico, já portador de elementos embrionários e decisivos para o arranque moderno que o cinema viria conhecer depois. E é no tempo, assim como pelo tratamento permitido por ele ao espaço – duas variáveis basilares para a linguagem do cinema – que O Ídolo Caído vai pronunciar sua arrojada visão diante da narrativa e das implicações que ela provoca.

O domínio do tempo. A consciência precisa de uma duração que mostre pouco, mas revele muito. Talvez um dos maiores méritos de Carol Reed na realização desse filme seja evidenciar a humildade diante da imagem final, pois sejamos sinceros, são incontáveis os ângulos em O Ídolo Caído que pedem mais tempo, que forçam nosso olhar e desejo a querer contemplá-los mais e mais, tamanha a riqueza da encenação, o frescor da fotografia, a textura que a imagem pulsa a cada reviravolta da intriga que por si, já oferece um rico painel de inquietudes humanas. O preciosismo com que Reed apreende cada espaço, cada cômodo, cada degrau ou parte de um corrimão, à maneira como ele ilumina o marmóreo chão, ou como se vale da arquitetura para construir uma obra tão bem arquitetada, tudo isso dentro da medida exata do tempo, é o que permite considerar tal filme como uma obra moderna.

Filmado logo após O Condenado (1947) e imediatamente prosseguido por O Terceiro Homem (1949), O Ídolo Caído se inscreve como mais um dos pesadelos barrocos do cinema de Carol Reed. Marcadamente político, desde que fora contratado para filmar obras que servissem como propaganda de Estado durante a 2ª Guerra Mundial, Reed consegue em O Ídolo Caído imprimir um tom político não evidente como nos outros filmes citados, pois aqui, em consonância com o período da Guerra Fria, as evidências se escondem na beleza das superfícies banais, como nos segredos trocados entre o menino e o mordomo, nas inverdades e jogatinas provenientes desse estado oculto dos fatos. O intimismo é o foco. Se em seu filme anterior, Reed desbravou o centro londrino, e no posterior, devassou as entranhas de Viena até os esgotos, amalgamando seus ambíguos personagens com o espaço encenado, em O Ídolo Caído, também fará isso com a interioridade de um lar, um imensurável espaço (Embaixada) suspenso na grande geografia britânica, que por sua vez suspenderá seus habitantes num interminável jogo de luz e sombras, de ambiguidades e incertezas. E para se chegar a uma verdade, ainda que ela se alicerce em terreno tão movediço como o das convicções humanas, será preciso resistir a esse lugar, ao espaço e ao tempo que, protagonistas principais, atestarão uma obra que permanece cada vez mais próxima daquilo que não pode ser chamado de clássico ou moderno, pois como em toda verdadeira arte, só pode receber um nome: imortal.

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