segunda-feira, 24 de agosto de 2009

PELO CINEMA DE BRUNO DUMONT

Pois é, o que eu temia aconteceu. Desconfortei o público Dissenso na última sessão com esse filme que me é tão precioso, mas que permanece incompreendido, talvez ainda mesmo por mim... Não pretendo aqui responder as acusações feitas contra o filme, até porque sinto que o filme por si pede conscientemente muitas dessas acusações; mas resolvi trazer um post que estava mesmo devendo desde que toquei na carreira como um todo de Bruno Dumont, que apesar de tão curta já me revela um grande cinema.

Todos por aqui sabem como fui afetado por Dumont durante esse ano (o marcador aí ao lado abriga os posts relacionados). Desde Twentynine Palms, meu favorito, acabei escrevendo um pouco sobre cada filme, reunindo os ângulos que em mim ficaram, e rapidamente percebi que um post maior, com a relação dos quatro filmes, seria necessário. Na verdade, ao reler tudo que escrevi percebo que caminhei nessa direção, pois o próprio cinema de Dumont, filme a filme, trilha um percurso planejado, coerente e com um sensível amadurecimento que ultrapassa a suficiência de sua forma já tão individual e voluntariamente inconfundível.

O aspecto central que me impulsiona a olhar o cinema de Dumont não como o que denominaram ‘naturalismo frio’ mas como uma calorosa abordagem do humano, vincula-se à exploração de duas constantes bastante enfáticas desenvolvidas pelos 4 filmes: O Amor/Sexo e A Morte/Violência.


A Vida de Jesus, 1997.

A Humanidade, 1999.

Twentynine Palms, 2003.

Flandres, 2006.

Os motivos são arbitrários. Qualquer tentativa de explicação para a violência que explode em Bruno Dumont, seja no início ou no final das projeções, é absurda. Não cabe justificar atos que terminam centrais ao enredo, assim como nunca cabe perguntar um ‘por que’ para um de seus filmes. Todos os questionamentos levantados pelo cineasta só encontram lugar no além da obra, para depois da tela em créditos, mas na continuidade imagética que permanece no íntimo de seu espectador. E a permanência é inevitável.

Passados os primeiros minutos de seu primeiro filme já basta para saber que dali em diante é inútil querer entender o que se passa na cabeça dos personagens, em sua apatia quase apaixonante, por isso não consigo enxergar no cinema de Dumont um simples cinema de tese. As cartas não estão totalmente expostas. O que paira nada mais é do que a sensação de uma convicção autoral, algo que para mim é no mínimo essencial para uma motivação artística, pois reduz o risco nocivo da gratuidade. E aí está uma palavrinha chata que gosta de perseguir Bruno Dumont.

É muito difícil ler algo a respeito de seu cinema (especificamente sobre Twentynine Palms) que não se afete por uma interpretação do gratuito, ou seja, que não tente experimentar o filme pelo que ele realmente é e não pelo que ele carrega como apenas aparente. Por mais que a violência e o sexo nos filmes de Dumont pareçam gratuitos, ainda que uma gratuidade consciente e planejada, não consigo deixar de me perguntar o que define a gratuidade na Arte. Afinal, não será a Arte um grande lugar para o gratuito habitar? E ainda que eu corra o risco de me contradizer diante do conceito do gratuito, algo muito provável pois carregado de ambigüidade, arrisco que o impasse aí levantado não deixa de somar maior mérito ao desentendimento dos fatos, pois confere ao cinema de Dumont um lugar de incomodado desinteresse, profundamente falso, visceralmente catártico.

Foi Nagisa Oshima quem certa vez deixou escapar que o maior desejo de todo cineasta é filmar o homem no momento do gozo sexual e no suspiro último de sua morte. Apesar de tais palavras não serem necessárias diante de uma obra que já testifica tais ambições com tanta sinceridade, Oshima definiu com essa afirmação mais do que quase todas as descartáveis teorias que o cinema cientificou em pouco mais de um século. Essa verdade durará muito mais do que tudo que já se escreveu sobre o cinema, pois prosseguirá enquanto existir qualquer resquício de material com natureza cinematográfica. Tal certeza é o que me leva a acreditar que o cinema de Bruno Dumont sobreviva ao gosto/desgosto suscitado pelo instantâneo de uma projeção.


A Vida de Jesus, 1997.

A Humanidade, 1999.

Twentynine Palms, 2003.

Flandres, 2006.

É no amor que a esperança surge. Observar a manipulação do sexo no passo a passo de Dumont é constatar um evidente intensificar de complexidades que elevam os contornos de seus enredos de uma superfície rasa a um patamar fincado na necessidade humana do Outro. Não são muitos os cineastas que conseguem significar o sexo dessa forma. Agrade ou não, a exploração da cópula nos filmes de Dumont não existe apenas para pormenorizar os personagens, para expor-lhes detalhes de personalidade, muito mais, o sexo em Dumont deve antes de tudo ser sentido sob duas perspectivas: a erotização da imagem e o amadurecimento humano rumo ao amor. Lembrar a maneira como Dumont explicita o sexo na progressão de sua carreira basta para essa reflexão de mão dupla.

Em A Vida de Jesus, numa determinada cena, somos brindados com um desavisado close nos órgãos sexuais dos atores, flagrando o momento mesmo da penetração. Sim, poderia ser uma imagem pornográfica. Em A Humanidade o coito se aproxima mais da desumanização, ou melhor, da falta de carinho, de amor. Tudo é seco. Em Twentynine Palms há um momento em que os corpos já se contentam em repousar ao sol após a ineficiência sexual. É quando o calor aumenta. Finalmente em Flandres, na última cena (a imagem final), o casal não deseja outra coisa que não seja deitar-se e dizer ‘eu te amo’. E mesmo na neve, a imagem queima.

É uma carreira curta, mas que se permite emanar uma sensação de completude apaziguadora, sim, redentora. Acompanhar a continuidade desses quatro filmes é deparar-se com imagens progressivamente erotizadas, que acariciam os corpos de seus atores para tomar-lhes a graça, o suspiro do gozo. O cinema de Dumont ao quase assexuar seus personagens termina por sexualizar a imagem de maneira que mesmo sem homens o desejo permanece, e ele é tão fértil que talvez seja o grande responsável pela inevitável presença da morte.

Hoje, em minha memória, não consigo parar de assistir um único e longo filme nascido pela união destes quatro. Não fica apenas a continuidade progressiva do amor e da morte, mas um continuum de tempo e espaço como somente o cinema pode marcar em mim. É como se depois de tantas horas de projeção, vistas e revistas, apenas um ângulo restasse. Não uma imagem vista. Mas uma profunda sensação. Uma coisa. Que somente um bom cinema pode me fazer viver.

2 comentários:

  1. Não sei pq, Bruno, mas eu sentia q em breve vc teria q expor, num texto maior, sua admiração (e defesa, claro)pelo cinema do Bruno Dumont, oq, claro, desperta uma verdadeira vontade de conhecer, para, enfim, ficar ao seu lado, ou num extremo oposto (no cinema, claro, há chance para o meio termo, mas as imagens dos filmes do Dumont q vc colocou no post, exalam talvez a impossibilidade de via do meio, daí q, provavelmente, o pessoal da sessão não gostou muito, indo se pregar lá do outro lado, longe de vc e do Dumont, num certo sentido - pq é preciso estar muito próximo, para saber recusar, não é mesmo?). Estou esperando uma formatação no pc, para baixar algum do Dumont, q, por sinal, vou te pedir a indicação sobre qual começar.

    p.s: Veja "Amantes" sim senhor! Não perca!

    p.s 2: A minha "comentadora favorita", Ana Clara, por sinal, é também a minha namorada há mais de 3 anos! hahahahahahaha. Mando lembranças sim, Nando! Deixe comigo! hahaha

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  2. Nandoooo,
    Estou com saudades de seus comentários.Está assoberbado com a Pós?? Também vc quer ser intelectual,dá nisso!!!Quase não sobra tempo para ver os amigos e passear.Estou brincando.Achei esse filme muito sangrento,também sou analfa em cinema,lembra???Não sei nada!!! Te aguardo lá no meu Compartilhando.Abraços

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