sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

FIEL A SI MESMO


Tudo que o Céu Permite, Douglas Sirk, 1955.

Desde pequeno eu aprendi a amar cinema clássico, procurando na programação da TV aqueles filmes mais velhos, desejando o preto e branco, curioso por qualquer coisa que pudesse sugerir raridade. Naquela época, de fato o clássico era traduzido por mim com adjetivos assim: filme velho, preto e branco e raro. A gente demora um pouco para ultrapassar as aparências... Hoje, consciente do clássico como algo além de uma época passada, percebo que não apenas preciso rever muito do que experimentei pequeno, mas que preciso mais, desesperadamente mais, de novos cinemas clássicos que ainda não provei.

Quando vi meus primeiros filmes de Douglas Sirk eu nem me interessava em saber que havia um autor por trás daquilo. Bastava ver, chorar e ser feliz. Hoje, reavaliar a obra com uma intencionalidade outra, a partir de um filme que ainda não tinha visto, comprova que acúmulo de reflexões e pretensa disposição crítica não desfaz a fórmula da infância. Incentivado pelo amigo Ranieri Brandão, decidi assistir na minha noite de 24 de dezembro um filme que por acaso também desenvolve algumas cenas no natal, permitindo encabeçar o post de hoje com uma árvore enfeitada, mas principalmente confirmando em mim que há poucas coisas melhores na vida do que ver um filme, chorar e ser feliz.

É como se fosse meu primeiro Sirk. Uma revelação. Uma convicção de que um homem conseguiu fazer do melodrama cinematográfico o que Hitchcock alcançara com o suspense. Pois não consigo imaginar como ser melhor do que Sirk foi neste filme. De repente não consigo me lembrar de um filme que tenha sido melhor colorido do que este, de um roteiro que tenha sido melhor e mais dinamicamente desenvolvido, de atores que tenham sido mais lindos e emotivos, de críticas sociais que tenham sido mais ácidas e penetrantes... Eu sei, eu sei que existem outros filmes grandes em todos esses sentidos. Mas não acredito que muitos tenham sabido concentrar em si todo um motivo de ser, que tenham conseguido ultrapassar com o superficial o que leva o cinema a revelar a certeza de uma essência, erguendo-se como obras sólidas e impávidas que fazem brotar no coração do espectador uma suficiência que diz: este filme basta para me fazer feliz.

E eu sou feliz enquanto choro. Sou feliz enquanto percebo o apodrecer de uma sociedade que passados mais de 50 anos não permitiu ao filme envelhecer nos temas. Sou feliz enquanto Sirk me esfrega nos olhos com sua paleta de equilibrado arco-íris a degradação de uma humanidade que se relega à aparência, pois na aparência de todo o filme posso sentir a direção de um homem que também derrama sua lágrima sorrindo.

Há uma mensagem em Tudo que o Céu Permite. Uma resposta que o personagem de Rock Hudson toma como ética central de sua vida e que Jane Wyman descobre após ler alguns versos catárticos de Thoureau: para ser feliz é preciso ser fiel a si mesmo. E isso é exatamente o que Sirk faz: ele é fiel. Fiel ao drama, fiel ao clássico, e acima de tudo, fiel ao cinema. Talvez seja o que permita ao seu filme destacar-se hoje em minha memória de um dia com um vigor que ameaça a memória de toda uma vida, pois é como se somente hoje eu soubesse o que é de fato ser clássico.

É muito bom no meio de tamanha felicidade sentir a orelha puxada, e entender que 2010 precisa ser um ano de maior fidelidade em minha vida. Encontrar um filme que me faz crescer foi sem dúvida o melhor presente de natal.
Hoje, Sirk é meu Noel.

Feliz Natal e que Deus abençoe a todos.

2 comentários:

  1. Este filme é sublime, Nando!
    Uma ótima pedida para a noite de natal.
    Acho q ele é a prova do título original de
    "Delírio de Loucura".
    Aliás, desde os créditos dos filmes
    de Sirk - os melhores, ao menos - já
    dá pra perceber q algo ali é bem maior.
    É a arte engolindo o espaço.

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  2. Sim o filme é lindo! mas eu ainda estou surpresa por só ter um post com a tag Douglas Sirk O.o

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