terça-feira, 13 de abril de 2010

MOEDA FALSA (T-MEN)


Moeda Falsa (T-Men), Anthony Mann, 1947.

Especial Anthony Mann - MULTIPLOT!


Todo bom noir é feito de ambigüidades. São ambíguos os gestos, as vozes, as palavras, os sentimentos, os corpos, as luzes, as sombras, e em cada desdobramento oculto sob a superfície aprofundam-se os méritos de um gênero escorregadio, incerto e necessariamente enganador. Anthony Mann, em sua longa fase dedicada ao noir (a qual talvez nunca tenha abandonado até o fim da carreira), provou ser um cara que entendia as regras desse jogo como poucos, o que lhe permitiu experimentar diversos tipos de abordagens e estilos, seja com narrativas curtas ou mais dilatadas, com estruturas centrais únicas ou cheias de reviravoltas, abraçando o gênero e marcando seu nome como um dos principais representantes dele. Mas talvez nunca ele tenha ido tão longe como neste assombro que é Moeda Falsa.

Filme pautado pelo contorno do relato jornalístico – num tom documental que enfatiza a validade das informações e dos nomes envolvidos – desde o início associa-se a uma tradição já em voga nos anos 30 (Hawks, Wyler, Curtiz...), mas dentro de um raro equilíbrio com o ficcional, como se fizesse parte de toda uma contemporaneidade (Rouch, Kiarostami, Coutinho...) que reconhece no próprio discurso do cinema um veículo ambíguo e questionável a ser explorado. Pois a impressão que temos ao assistir Moeda Falsa, é que Mann desejava mais do que tudo, trilhar caminhos desconhecidos, ou pelo menos testar os limites dos que já existiam.

É preciso ser sincero. Não estamos diante de um filme agradável, e não posso recomendá-lo a quem estiver procurando um par de horas com diversão e entretenimento. Podem acusar: falta drama, falta ação, faltam personagens marcantes e (o pior, claro) faltam mulheres. Eu mesmo acusei-o disso tudo no início. Mas está tudo lá, obtuso, oculto, ambíguo.

Poucas vezes se verá um noir tão homogêneo. O cinza, o sexo, os espaços, as vestes, em tudo Mann imprime um mesmo que torna difícil distinguir a representação da alteridade. Mas é isso que possibilita o lugar do ambíguo e faz do filme um tratamento único ao noir, dificultando uma associação a qualquer outro filme, ainda que do próprio Mann. A homogeneização de todos os homens que povoam o filme, com seus ternos iguais, suas vozes, seus cigarros e comportamentos repetidos, são o que permitem aos ‘Homens do Tesouro’ (os T-Men) infiltrarem-se no sórdido mundo da falsificação de dinheiro, onde não só as notas são falsas, mas cada um dos indivíduos. Uma das cenas mais visualmente emblemáticas dessa realidade é aquela onde um homem é assassinado dentro de uma sauna, quando em meio ao vapor acinzentado e onipresente captamos apenas o debater das sombras, um desespero abstrato que termina por nos fazer ver tudo com maior clareza (em reverso ao recente e igualmente antológico Cronenberg de Eastern Promises, que do explícito extrai o não revelado).

A aridez das aparentes faltas (drama = ação = mulheres...) é compensada por inquietações que estão presentes nas menores coisas, seja nas lâmpadas que examinam as notas, nos espelhos que unem em mesmo reflexo e consequentemente diluem o bem e o mau dos protagonistas, ou na lágrima derramada com a breve aparição da esposa de um dos infiltrados, que chora a dor de se saber negada por um bem maior, falsificada pelo dever da lei e da justiça. Somente sob os contornos do falso este falso universo poderá ser abalado, e a justeza de Mann está em corromper o próprio noir, relembrando sempre que todo bom cinema é feito de falsidades.

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