sexta-feira, 5 de junho de 2009

CINEMA DE FACES


Frost / Nixon, Ron Howard, 2008.

Eis: o melhor dos 5 finalistas ao Oscar desse ano! E ninguém imagina os preconceitos que tive de vencer pra afirmar isso... Preconceitos contra esse diretor de meia tigela que é o Ron Howard. Ô, cara chato! Quem viu e reviu clássicos acadêmicos como Apollo 13, Um Sonho Distante, Uma Mente Brilhante nas infindas sessões da tarde, estampando aquele modelo-família feito para ser consumido com pipoca, extrair uma provável lágrima no final e fingir que um bom elenco é suficiente para fazer um bom filme (sim, gosto de todos os atores desses filminhos), sabe bem do que eu estou falando. E quem sofreu se arriscando em O Grinch e O Código da Vinci, sabe que eu estou sendo até generoso em dizer que Howard é apenas um chato...

Óbvio que o nome do moço nos finalistas desse ano já me deixou todo alarmado, pensando: taí, o pior de todos. Por isso comecei apostando nos outrora grandes Fincher, Daldry e Boyle... Sem saber que essa renca de nomes seria a chatice do momento... (não incluí o nome de Van Sant porque o cara conseguiu se sustentar, sem muito brilho, mas ficou de pé)

Não à toa, sequer Frost / Nixon foi exibido aqui em Recife, sinal que me deixou antenado, afinal coisas boas costumam não alcançar o circuito comercial (e o trailer também me instigou). Até que eu consigo assisti-lo no recôndito de meu lar (valeu Rodrigo) vendo toda minha desconfiança levar uma rasteira e perceber que todo ser humano merece crédito, porque sim meus caros, Howard arrasou...

O resultado desse filme, além de contar com o elenco impecável e o texto deliciosamente bem escrito (coisas esperadas), vai muito além dessas particularidades destilando, pela primeira vez, personalidade no diretor em questão. A temática do filme ajuda: como a mídia televisiva julgou o presidente Nixon pelo episódio de Watergate através de um simples apresentador de entretenimento que conseguiu destruir a invulnerabilidade do político, ou melhor, do homem que errou e custou a assumir seu pecado. Isso, porque o julgamento não foi feito por ninguém menos do que a própria imagem do rosto desse homem, numa expressão intransferível de culpa e quase arrependimento. Prato cheio para Howard enfim aprender a tratar a imagem não apenas manipulando seus espectadores inocentes, mas refletindo o poder que a mesma traz em sua aparência e influência sobre os que atinge. Hummm... Talvez Howard tenha sido julgado por sua consciência na preparação desse filme e percebido que cinema exige mais do que sua costumeira média anterior era capaz de fazer.


Dúvida, John Patrick Shanley, 2008.

O lindo cartaz acima sintetiza em si praticamente tudo que eu poderia falar sobre o notável exercício de tensão que Dúvida me ofereceu. Eu poderia mesmo discorrer aqui a respeito de uma inúmera variedade de lugares-comuns (excelentes) em que o filme se alicerça, pois (assim como Frost / Nixon) temos aí mais uma espantosa equipe de atores a serviço de um milagroso texto. Mas eu acho que falar bem de Merryl Streep (deusa) e Seymour Hoffmann (o chato tá me reconquistando), ou mencionar o desabrochar de Amy Adams (linda, linda, linda), seria permanecer num blábláblá típico do que filmes assim conseguem levantar. É... reconheço que ao mesmo tempo em que estes dois filmes são grandes, eles podem sim ser facilmente reduzidos a satisfatória ordenação dos dois elementos citados (elenco + roteiro), mas como eu venho em defesa deles, prossigo em direção a um aspecto que se destaca como central em ambos e pode, em definitivo, defendê-los como obras dignas de atenção.

Quando eu sinalizei o cartaz de Dúvida como uma síntese do filme, poderia também me valer dele como uma síntese de todo esse post e do que me levou ao título “Cinema de Faces”. O cartaz se estrutura visualmente (e obviamente) nos 3 atores principais do filme centralizando toda nossa atenção para o rosto de cada um, ao mesmo tempo à mostra e ocultos, visíveis e escondidos, numa evidente antecipação de toda ambigüidade que levará à dúvida central do filme em si.

Em Dúvida, o que temos em cena não são corpos.

Cada ator, aprisionado pelas vestimentas religiosas e pelo rigor ético aí imposto também se vê podado em suas possibilidades corporais, restando apenas ao rosto e muito raramente às mãos, a potência de seu trabalho e o impregnar de sua emoção. Todo o filme é atravessado por faces que vigiam, mentem, sofrem, castigam; faces que sobrevivem e encontram na imagem final o melhor lugar para existir. E não por acaso, depois de constatar isso em Dúvida, percebi que o mesmo pode ser atribuído em Frost / Nixon (aliás o cartaz deste também pode ser objeto de análise nesse sentido). Dois homens em combate, sentados em suas poltronas, corporalmente em repouso, mas facialmente em ininterrupto contrair de sentimentos, duelando através dos olhos, dos lábios, das linhas que lhes contornam e são imortalizadas pelo registro televisivo, pela imagem.
Um cinema de faces. Um cinema de corpos ou parte deles. Um cinema de vida em erupção emotiva, cujo clímax da ação pode residir no movimento de uma ruga ou no brilho de um olhar.

É bom sair do cinema vendo que isso ainda existe. E apesar de saber que tanto Howard como Shanley poderiam ter aproveitado melhor essa abertura das faces, nutrindo seu material com uma duração de closes mais acentuadas no tempo, é bom sentir a esperança (ou ao menos desejar que ela exista). Tenho certeza/esperança que se esses moços fizerem a lição de casa direitinho com o professor Dreyer, qualquer dia eles podem estar assinando uma obra-prima.

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