sexta-feira, 5 de junho de 2009

O ESTADO DAS COISAS


O Estado das Coisas, Wim Wenders, 1982.

1982. Wim Wenders filma Hammet, produção americana custeada por Coppola, sujeito que não deixou Wenders fazer um filme em preto e branco... O filme foi um fracasso.

1982. Wim Wenders filma seu décimo primeiro filme (!!!) em Lisboa desabafando sua crise numa recriação autobiográfica toda filmada em preto e branco... O filme ganhou o Leão de Ouro.

Como responsável pela Sessão Dissenso eu não poderia ter levado outro filme que não esse, ou ao menos de um cineasta que não fosse Wenders, o cara do momento na minha vidinha de filmes e mais filmes. O Estado das Coisas é um filme que posso dizer ter me apaixonado antes mesmo de ter visto, só por causa do título... Confirmar a intuição foi apenas o ponto no i. Delicada continuidade de tempos quase-mortos, enquadramentos preciosos num P&B revigorante, a respeito de cinema e principalmente de criação ou daquilo que movimenta o homem a criar, contar uma história, e até quando isso será possível ser feito, tudo no filme clama por essa minha paixão instantânea, incontornável, vital.

Há inúmeros pontos que me chamam atenção nessa obra e acho que consegui comentar os principais na discussão pós-filme (espero não ter monopolizado). O primeiro a que eu gostaria de me debruçar por aqui (único por hoje) é um tema caro a mim e que já trouxe bastante pra cá, principalmente quando do meu contato com Gerry (fato: não sei se eu teria gostado tanto desse Wenders antes do fenômeno Gerry ter me acometido). Quero falar um pouquinho do deserto...

O Estado das Coisas abre como uma ficção científica amarelada, filme dentro do filme que, dirigido pelo diretor/alter-ego de Wenders se intitula Os Sobreviventes e não tem como ser terminado porque acabaram os rolos para as filmagens (quem dá a triste notícia é ninguém menos que Roger Corman, cineasta B que ouviu a mesma coisa milhares de vezes na sua carreira). Com essa interrupção no trabalho, toda a equipe é obrigada a passar o fim de semana ociosa dentro do grande hotel abandonado que serviria de cenário para o filme não finalizado. Esse é o ponto de partida para uma história que se contenta em observar a (des)interessante vida sem história daqueles artistas quando fora de uma representação intencional. Mas é no lugar que eu me prendo...

Lisboa. A ponta da Europa, observam num globo.

O limite de um continente, o limite entre a terra seca e o horizonte.

O limite entre a arte e essa coisa chamada vida... real.

As ondas do mar em constante avanço são onipresentes, o ruído do vento e das águas é ininterrupto. Mesmo com o fim da ficção científica os sobreviventes permanecem lá, tentando resistir a si mesmos, pois como uma personagem atormentada diz: é horrível sentir o próprio gosto.

A região é desértica, até o mar é.

E quanto mais sobrevivemos ao filme, mais somos conduzidos a uma aridez espiritual, uma dolorosa sequidão que os impede de prosseguir na arte e que lhes convence da inutilidade dos dias em que são todos simplesmente seres vivos.

“O ESTADO DAS COISAS é um filme religioso. Um dos poucos que o atual cinema produziu, talvez um dos últimos que o cinema possa produzir. A religiosidade, entenda-se, não é, aqui um método, uma obsessão ou um destino, mas um contexto: O ESTADO DA COISAS, pertence a essa galeria reduzida de filmes que expõem o cinema ao cinema, que se apropriam da mecânica do cinema, não para a celebrarem em nome de uma eventual eficácia técnica, mas para dela refazerem a revelação do próprio cinema.”
João Lopes

Um filme religioso...

Religiosamente eu me calo.
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ERRATA 1:
Acabei de corrigir todos os nomes Win para Wim, a maneira correta que eu insisto em não aprender...

ERRATA 2:
Correção apontada pela amiga Ângela Prysthon:
"quem dá a notícia a Friedrich Munro é Samuel Fuller (que já tinha aparecido como ator em Pierrot Le Fou)... Roger Corman é o advogado de Gordon, que aparece em LA."

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