sexta-feira, 5 de junho de 2009

FINA DIVERSÃO


Vicky Cristina Barcelona, Woody Allen, 2008.

Não tinha como perder essa. O espirituoso mestre Allen e a voluptuosamente talentosa Scarlett juntos mais uma vez... OK, a presença dos dois não carimbaria o passaporte para uma obra-prima, pois assim como Scarlett esteve presente no filme que fez eu me apaixonar por Allen (Match Point), ela também participou da coisa mais fraca (única) que ele já me ofereceu (Scoop). Mas com Vicky Cristina, retornamos aos melhores momentos do diretor.

Antes de tudo, Vicky Cristina é uma delicia!!! Não quero ouvir piadas quanto ao tom turístico do filme por parte de ninguém, pois para quem não sabe, o filme é uma encomenda do governo espanhol para Allen divulgar o turismo do país. Pois é, se a América prefere ignorar e deixar escapar um de seus maiores gênios, que o resto do mundo aproveite! Seu eu fosse político já estava mexendo os pauzinhos para Allen conhecer Recife...

Enfim, paisagens de encher os olhos, atores lindos e afinados, diálogos ousados e reflexivos, o que mais eu poderia querer de um espetáculo cinematográfico? Sim, aqui estamos plenamente inseridos no mais fino entretenimento, e Allen mais uma vez prova que é possível entreter com requintes de humor e senso crítico à vida e à sociedade.

Uma ode à vida e ao amor. Vicky Cristina é isso. E quando a última frase do filme (“Foi tudo um caso passageiro. Acabou.”) ressoa, ela se aplica ao próprio espetáculo em si. Mas sabemos que mesmo uma situação passageira não se encerra na memória tão rápido... A dúbia forma como o amor é pregado no filme, em livres relacionamentos, não se tendo medo de experimentar a felicidade, mesmo que ela não esteja de acordo com as normas sociais, pode parecer até antiquada e muito batida pela própria história do cinema, mas acho que certas coisas nunca são demais... Afinal, o filme conseguiu em vários momentos me deixar com aquele riso de “nossa, que heresia deliciosa...”. E em se tratando de quebrantar minhas convicções éticas, Vicky Cristina funciona muito mais em mim do que o recente Shortbus e seu liberalismo escancarado... Talvez tenha sido o filme de Allen o responsável pelo que eu tive a coragem de cometer hoje de manhã (deixa pra lá, não dá pra contar todo tipo de segredo por aqui... mas alguém vai ler essas palavras e vai rir como eu estou rindo agora...)


À Sombra de Uma Dúvida, Alfred Hitchcock, 1943.

Com Vicky Cristina Allen tem sido apontado por explicitar mais suas influências européias de cinema (Rohmer, Truffaut, Chabrol), mas eu insisto: talvez não haja nenhum diretor na atualidade tão próximo de Hitchcock como Woody Allen. Quando comentei O Sonho de Cassandra já teci essa idéia, e lá a presença do suspense me auxiliava bastante. Talvez muitos pensem: você e essa sua obsessão pelo Hitchc cansam... Mas querem a prova da influência?? Está lá, no filme. Numa cena em que um casal vai ao cinema (difícil dizer qual, os casais trocam o tempo todo), qual o filme assistido??? À Sombra de uma Dúvida, do Hitchc (1943), um dos melhores filmes de sua carreira e um dos mais ignorados. OK, ainda não li nenhuma crítica que sequer mencione esse intertexto direto (uma cena é exibida na tela toda e parece que ninguém tem percebido isso!), por isso eu não poderia me calar!

É impossível que um autor como Allen insira um trecho de um filme sem intenções maiores, como simples homenagem (afinal, em termos de homenagem, um Jules e Jim seria muito mais óbvio). Aqui não estamos lidando com uma homenagem, mas com um auxílio à própria narrativa e universo de Vicky Cristina. No filme de Hitchcock temos dois personagens principais, tio e sobrinha, com o mesmo nome (Charlie) e várias afinidades de ponto de vista, até que a jovem descobre ser o tio Charlie um assassino em série. A crise de identidade desencadeada a partir desse fato, o peso da culpa por saber de algo errado e não poder confessar, são alguns dos elementos que intensificarão a ambígua relação entre eles, aprofundando um questionamento sobre a índole e a individualidade humanas, tudo, é claro, através do mais elevado suspense. Enfim, são exatamente essas as reflexões que Vicky Cristina inicia, todas, claro, banhadas de um refinado humor erotizado.

Cada um em seu gênero, os dois mestres lançam através do grande espetáculo bases para pensamentos que perscrutam o homem e seus atos, com uma habilidade de fazer inveja a todos esses cineastas metidos que só conseguem emplacar sua voz junto a grupos restritos de amantes da sétima arte...

Woody, continue assim! Tô no aguardo do próximo! (eita homem produtivo...)

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