sexta-feira, 5 de junho de 2009

TODOS CONTRA LÉO


Todos Contra Léo, Christophe Honoré, 2002.

A maratona de filmes franceses nesse início de ano tem sido maravilhosa (aliás, estou fazendo várias maratonas temáticas e não vou conseguir escrever sobre todas, rsrsrsr), mas o prazer de ter me aprofundado na obra do jovem Christophe Honoré (nasceu em 1970, muito jovem!) foi o maior destaque que o cinema da cidade luz me proporcionou recentemente. A partir de Em Paris fui passeando por sua filmografia e confirmando aquela idéia de cinema masculino cheio de sensibilidade. Uma das surpresas (todas foram excelentes) partiu de seu primeiro longa-metragem: Todos Contra Léo, filme que aliás está muito próximo de um outro do Ozon , O Tempo que Resta. A história é praticamente a mesma: jovem homossexual se descobre com doença fatal (nesse caso HIV) e tem pouco tempo de vida, o que gera aquele esperado clima reflexivo e melancólico desse tipo de drama. Pois é, esse tipo de drama... Estamos num terreno perigoso, cheio de clichês pela frente, lágrimas desejadas, enfim, já vimos tudo isso acontecer várias vezes... Nesse caso Ozon realmente permanece ‘nesse tipo de drama’, faz um trabalho competente, sensível, com sabor amargo, mas não sai ‘desse tipo de drama’... Já Honoré... O cara supera qualquer expectativa!

Trabalhando na adaptação de um livro de sua própria autoria (sua primeira experiência literária, de 1995, pô, também tô doido pra ler o cara!!! Ah, ele também já foi crítico da Cahiers du Cinemá), Honoré se vale dessa premissa dramática para mais uma vez investigar a alma masculina. É verdade, quando eu soube que era uma história com um gay no papel principal pensei que ele fosse falhar, mas a sexualidade de Léo é um ponto de partida para observarmos até que ponto o homem moderno está preparado para lidar com o estranhamento, a afetividade e claro, a morte. Estamos numa família de 4 irmãos homens, um pai e uma mãe (haja testosterona em cena), e cada um dos personagens ganha o espaço adequado dentro da narrativa para percebermos como eles encaram a homossexualidade do irmão e sua brevidade de vida. A cena em que os irmãos vão à praia deserta de noite é uma das minhas favoritas nesse sentido, pois sintetiza a aceitação entre todos, a cumplicidade, o amor que os une numa sinceridade simples e muito crível.

O ângulo acima me toca profundamente por indicar essa noção do ponto de vista. Um irmão fotografando o outro e o que se deixa fotografar é justamente o que está para morrer, a peça chave da intriga. Ponto de vista sobre ponto de vista, enquadramos ainda mais distanciados o olhar sobre um personagem que a cada minuto do filme se revela mais próximo de nós, mais frágil, mas ao mesmo tempo mais vivo. O ponto de vista mais impactante se dá pelo olhar do irmão mais novo, um menino de 12 anos (Yaniss Lespert, brilhante) que ainda tem muito a aprender sobre a vida, mas que lida com o preconceito e o espanto da morte talvez melhor do que ninguém, pois ele não tem vergonha de sofrer, de abraçar o irmão e dizer ‘eu te amo’; um ponto de vista humano, acima de tudo, dolorosamente humano.


É verdade que a mãe ganha pouco espaço em cena, mas o momento desse ângulo, em que ela desaba sobre o chão, e sente o gosto da terra, da grama, é mais uma vez suficiente para expressar a agonia que essa personagem quase muda carrega sem compartilhar com ninguém. Aliás, nessa imagem uma boa idéia de como Honoré desenvolve seu cinema particularmente nesse filme. Poesia visual, em diversas cenas ele se filia a idéia de “cinema de corpo”, como quando o menino está depressivo na banheira, ou quando Léo está deitado e uma abelha pousa sobre seu rosto percorrendo toda a face e quase entrando por seus lábios (momento sublime), e vários outros instantes de contato entre a câmera e os corpos, entre nós e os personagens desse mundo que se revela tão vivo e tão nosso.


Outro dia, comentando The Brown Bunny (filme que cresceu ainda mais em mim), aludi a uma brincadeira de que me senti fumado pelo filme, por causa de uma linda cena em que Chlöe fuma antes de transar com Vincent. Pois é, acho que fui fumado de novo (rsrsrssr)...

No final do filme, depois de se despedir de Léo, o irmão caçula, ainda na estação de trem pede um cigarro a um desconhecido. O outro jovem lhe concede o pedido. O menino diz: “Esse é o primeiro e o último cigarro da minha vida” e o rapaz retribui: “Então você se lembrará sempre de mim”... E ficamos a olhar a criança tragando seu único cigarro...

Uma cena assim geralmente me desperta um conflito ético meio chato, difícil de desvencilhar. Afinal, eu odeio cigarro e o menino continua sendo um menino, então, se ele foi obrigado a fumar para fazer o filme isso me incomoda bastante... Ou melhor, isso é o que aconteceria comigo numa situação normal... Mas sem muita culpa me disponho a confessar que as tragadas dessa criança me comoveram de uma forma como eu não esperava e que ainda nem consegui justificar.

“Se lembrará sempre de mim...”

Acho que esse diálogo foi esperto demais. Me atingiu em cheio. Apenas duas frases, perdidas num filme que já estava praticamente encerrado, mas que me revelam muito do que o próprio autor quis fazer com tudo isso. Assim como nas palavras que eu trouxe de Tarkovski no último post, Honoré parece pedir: guarde esse tempo consigo, memorize esse filme, esse momento em que nos tocamos, que nos conhecemos; é verdade, foi curto, mas foi intenso, foi vivo...

O último desejo de Léo é reencontrar um amigo amado, sua grande paixão, e ele parte na jornada acompanhado pelo menino, pelo irmão que o aceita como é, não por pena, mas porque realmente o ama. Com isso, concluo (sem muita vontade, pois hoje tô gostando de escrever...) que Honoré ultrapassou completamente a idéia ‘daquele tipo de filme’, dramalhão, etc e tal. O cara fez cinema de alta qualidade aqui, para ser visto, revisto e lembrado pra sempre. Enfim, a dica está dada.

Ah, e de fato: eu fui fumado...

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