sexta-feira, 5 de junho de 2009

A ESTRÉIA DE ANTONIONI


Gente Del Po, Michelangelo Antonioni, 1943.

É indescritível a sensação de conhecer relíquias da sétima arte tão raras... Como vocês já perceberam, comecei a me aventurar nas raridades de Antonioni, um dos mestres maiores para mim; e como não me orgulhar por conseguir assistir sua primeira experiência criativa?

De 1943, 7 anos antes de seu primeiro longa-metragem, Gende Del Po surge como uma discreta voz ativa para seu tempo. Espantou-me ver sua afinidade com o emergente neo-realismo italiano, inaugurado em 1942 com Obsessão (Visconti), tendo sido o termo cunhado no próprio ano de 1943, pelo crítico e roteirista Umberto Barbaro. Com isso, é possível perceber a consciência de Antonioni para com sua época, atitude que apenas se prolongaria por toda carreira, com sua particular carga poética, reconhecível por todos.

Poesia já presente aqui, nos planos do Rio Pó, dos trabalhadores, do final deliciosamente silencioso em contemplação ao mar... Bem, acabei de ler o texto das legendas (narradas em off), e por si, elas me parecem suficientes para apresentar a sensibilidade do curta. Seguem na íntegra (sinto que vale a transcrição):

No fim do percurso, depois de ter
recolhido toda a água que desce dos
Alpes e dos Apeninos,
o rio Pó torna-se navegável.
São cortejos de
barcaças do fundo prata,
carregadas de produtos
agrícolas da região.
Não é uma
navegação fácil
para as pessoas
envelhecidas no Pó.
Nas barcaças eles têm
seu próprio refúgio.
A barcaça é o trabalho,
a casa, as afeições.
Sobre e abaixo pelo
grande rio, entre a margem
Emiliana e a Veneta, segue
a casa que anda para o mar.
Um homem, uma mulher...
Uma futura mulher.
Se a corrente estiver a favor, são
viagens que duram no máximo um dia.
Vista do dique, a extensão de água
é prata como o asfalto.
Sobre a margem passam lavadeiras. Além
dos diques despontam melancólicas
fachadas de casas
humildes, em cujas
janelas sempre se encontra
alguém observando o rio.
É uma vida dura, sem igual, mas quem
olha dos campos o cortejo passar, pensa
talvez na felicidade.
Partir, viajar,
mudar de vida. O mar está
lá, uma viagem profunda.
Ninguém, há anos, observa mais
esse antiguíssimo moinho rodar.
A margem do rio é
sempre uma festa.
As barcaças fazem uma
grande volta para
se colocarem contra
corrente e atracar.
Mais tarde, a mulher desce
em terra. É quase noite.
Um pobre país onde
a vida percorre lenta
como as estações, como o
rio. Isso é o que os sinos dizem.
Nessa hora as pessoas
estão em cima dos diques.
Olhem aquele jovem
sobre a bicicleta.
Irá fazer o amor
à beira do Pó.
É uma vida igual, sem esperança. Mas
adiante, entre o céu e o pântano,
para a gente do Pó a vida se torna
ainda mais desolada.
Nem sempre a rede é garantia de
proteção. É preciso interromper a
pesca, alcançar depressa
as cabanas em perigo.
O vento sopra forte contra
os tetos de palha...
A maré alta atua...
O terreno ao redor e dentro dos
miseráveis casebres se torna lama.
Em breve a vila estará
invadida pela água.
Água verde do Pó.
Água marinha do Adriático.

Dedicado à sofrida
gente do Vale do Pó.

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