sexta-feira, 5 de junho de 2009

UM ATO ARTÍSTICO (?)


O Livro de Cabeceira, Peter Greenaway, 1996.

“A arte vive de rigor e morre de liberdade.”
(Lourival Holanda)


No ano passado, Maurício Ianês realizaou uma performance na Bienal de SP intitulada A Bondade de Estranhos. Sua ‘obra’ consistiu em passar 13 dias em pé no meio de uma ala da Bienal completamente nu. Só isso. Só? Entendam essa sílaba como quiserem...

Ao longo desse período o artista não vai se comunicar com ninguém e não poderá aceitar doações de conhecidos ou de funcionários da Bienal. O artista deverá também dormir durante esse tempo no próprio prédio da exposição e tomar banho no vestiário do pavilhão. Como não é permitido aos visitantes entrarem na Bienal com alimentos, quem quiser levar alguma comida para Ianês terá de passar pela chapelaria da exposição, onde a organização poderá autorizar a sua entrada. Até agora, só foi noticiado pela imprensa que o público deixou a seus pés várias peças de roupa, na intenção de que ele se vestisse...

Enfim, por que eu estou comentando isso por aqui? Nunca tinha me debruçado nesse tipo de manifestação artística, inclusive porque não sei até onde esse ato flerta com a arte. Mas o que me incomodou em tudo isso foi o momento em que a performance foi noticiada na TV. Tomávamos o desjejum quando a notícia surgiu. Minha vó ficou escandalizada, e minha mãe... É melhor eu nem falar (muito menos o que elas acharam de eu dizer que aquilo era comum...). O importante é que a reação delas foi tão visceral que minha convicção de “isso não é arte” foi abalada.

Na verdade, o ato desse homem (aliás, cheio de tatuagens...) me fez articular uma série de pontos que venho refletindo em todas as disciplinas da pós, especialmente com Sueli Cavendish. Afinal, fico no óbvio em mencionar como esse ‘tipo de arte’ parece arbitrário, fácil, gratuito. Em como é frustrante perceber que a expressão humana, em pleno século XXI, pode se restringir a um despir do corpo e nada mais. Mas nada disso entra em contradição àquela idéia que já expus aqui de um retorno às origens nesse crepúsculo das artes que vivemos desde a filosofia de Hegel.

Se a Arte realmente está se dirigindo à conclusão de um ciclo, nada mais logicamente primitivo que ver um homem pintado, nu e indefeso, no meio da ‘civilização’. Com isso, não quero nem de longe descobrir se o que Ianês fez é arte ou não (todo o texto parece indicar uma direção muito clara nesse sentido), e não quero justamente pela dificuldade em aceitá-lo como tal. Desejo apenas compartilhar a inquietação que seu gesto me causou. Apenas gesto e intenção, porque todas as reportagens filmadas ou fotografadas disponíveis nos meios de comunicação não tiveram coragem de exibi-lo em sua nudez integral... (motivo de eu não colocar um ângulo dele aí em cima, não quero contribuir com a censura) Outro sintoma que o problema não está na arte, mas na sociedade que nem sabe o que fazer com ela!

Por fim, e para deixar vocês pensando mais um pouquinho, deixo a pergunta chave que Sueli levantou a partir do livro de Giorgio Agamben, The Man Without Content a respeito da idéia hegeliana de arte transcendendo-se a si mesma:

“...a arte completou o círculo do seu destino metafísico e reentrou na aurora de uma origem na qual não apenas seu destino, mas o destino do próprio ser humano poderiam ser postos em questão de uma maneira original?”

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