sexta-feira, 5 de junho de 2009

RETA FINAL


Falta pouco para eu completar a experiência de Sátántangó, mas acho que já dá pra eu antecipar um pouco das primeiras impressões no espírito.

Como eu disse, esse filme já entrou para a história do cinema como um dos maiores empreendimentos cinematográficos de todos os tempos. Comparável talvez ao que Proust fez na literatura do século XX, em tamanho, número e grau, a obra de Bela Tarr destaca-se como um ousado épico intimista, grandiosamente artesanal, com um cuidado imagético semelhante ao que o autor francês alcançou pela palavra escrita. Mas infelizmente ele ainda não foi reconhecido como deveria...

É bem verdade que até Proust é mais comentado do que lido (encaixo-me vergonhosamente nessa estatística), e provavelmente esse defeito acompanhará o gênio de Tarr para sempre. Mas aqui identifico um problema do autor e não da recepção (ainda que eu o identifique como um mero receptor): o exagero na duração. OK, eu sei que a eternidade do projeto (7 horas e meia, lembram-se?) conta muito para o efeito que ele queria causar, mesmo assim eu não consigo me desfazer da certeza de que um pouco menos de filme alcançaria muito mais público. O estilo Tarr já é difícil, com planos de minutos e mais minutos de pausa, de espera... Tudo parece gritar ‘quero pouca gente me experimentando’ e isso não me parece positivo. Eu respeito claro, senão nem teria embarcado nessa, mas reconheço que é um filme que nem posso indicar para muitos, pois sei que poucas pessoas vão se dispor a gastar tanto tempo diante de um filme (ainda mais, parado, preto e branco, etc... tudo que o povo não gosta). Quanto a mim, eu estou é ganhando tempo! Mas ainda prefiro a máxima hitchcockiana de que um filme não deveria ser maior do que a capacidade de a bexiga armazenar urina...

Quanto ao filme em si, voltarei depois para comentar melhor, quando tiver visto tudo, mas já adianto que ele não me surtiu o efeito de Gerry (também, pudera, vai ser difícil encontrar outro assim). Há muuuuuitas caminhadas com todos os personagens, mas nenhuma delas me passa o sentido que Van Sant criou. Para mim, é como se Van Sant tivesse se apropriado de um estilo muito particular, tão particular que às vezes soa gratuito dentro da narrativa, e conseguiu aliá-lo a uma preocupação metafísica maior, presente em Tarr, mas não com tanta intensidade. As caminhadas em Tarr são lindas, mas é só. Em Van Sant elas são A COISA. Aquilo que fez meu coração apertar e já na primeira seqüência do carro, as lágrimas surgirem, numa certeza instintiva de que estava diante do incomensurável. É isso, muitas vezes Sátántango me impressionou com a beleza dessa novidade que Tarr criou, mas poucas vezes fez meus sentidos entrarem em alerta, como se o mundo e a vida precisassem parar e se tornar aquilo, se fundir na arte.

Uma referência que eu acho pertinente trazer é o Decálogo de Kieslowski. Da mesma forma, temos uma série de histórias, interligadas por um mesmo espaço e por personagens que se cruzam constantemente, na construção de um universo mais amplo. Também lidamos com uma forma de narrar altamente subjetiva e pessoal, que respeita ao mesmo tempo o interesse estético das composições visuais e o valor psicológico de cada personagem exposto. E o principal: a duração. O projeto de Kieslowski soma quase 10 horas de projeção, todas notavelmente concluídas ao decorrer de um ano! Enfim, nessa enxurrada de referências (inevitável e deliciosa), Tarkovski seria o nome supremo a ser lembrado. Mas vou deixá-lo para outro dia...

Apenas mais uma certeza: Tarkovski não morreu.

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