sexta-feira, 5 de junho de 2009

O ELEMENTO CRIMINOSO


Sábado Chuvoso, Alfred Hitchcock, 1956.

Nobre família houve o relato da horrorizada jovem que num ato de loucura assassinou o amante por causa do fim do relacionamento. Preocupado com sua posição na sociedade, o pai da jovem tenta acalmá-la e encontra em um conhecido, o sujeito perfeito para depositar a culpa pela morte. Junto com seu filho, ameaçam o indefeso senhor até conseguir provas contra ele (digitais na arma do crime, fios de cabelo, etc). Terminam com um telefonema à polícia para denunciar o crime ocorrido...

Absolutamente frágil. A economia visual (concentração nos atores) e de enredo, onde temos dificuldade não só de contextualização como de aceitação dos fatos acompanhados, estampa mais uma vez a preocupação hitchcockiana de expor o humano fraturado, dilacerado por um crime cometido e disposto a tudo para fugir à culpa. Assim como no episódio anterior, lidamos aqui com uma situação abominável, mas para não ficar no mesmo exercício (percebam como as mudanças vão se impondo sutilmente), aqui temos a motivação, a justificativa do crime e de por que ele deve ser transferido a um ‘falso culpado’.

Absolutamente monstruoso. A jovem assassina, completamente enlouquecida, chora e se contorce desesperadamente enquanto narra o crime. Seu exagero e arrependimento convencem. O que torna ainda mais curiosa a reação da família. Não parece que eles ouviram o que nós ouvimos. Não há choque, surpresa. Há apenas uma calculada frieza em imaginar como se livrarão desse ‘problema’ (o cadáver) mantendo sua posição social. Chega a ser asqueroso vê-los compactuando para incriminar o inocente.

Com esse episódio, Hitchcock acrescenta mais uma peça em sua enorme obra, toda ela preocupada em avaliar o desgaste do universo emocional de uma pessoa diante de uma violência inesperada. Recorrendo diversas vezes ao crime, principalmente ao ato de arrancar a vida do próximo, o mestre desenvolve seu pensamento e arte numa observação do prosseguimento da vida após a morte do terceiro, seja acompanhando os cruéis indivíduos que mataram ou as pessoas que ficaram em sofrimento com a perda (a assassina daqui sofre as duas causas). O elemento criminoso, anti-natural, surge como o desencadeador das reflexões, das emoções causadas no espectador, das interligações posteriores aos personagens da narrativa, rompendo a harmonia do universo e instaurando aquilo que Ernest Mandel chamará de ‘objeto de indagação’. É o mesmo teórico quem aponta a função da morte coisificada não mais como uma tragédia ou acidente, mas como um ponto necessário ao destino dos personagens para que a catarse seja futuramente possível (vale conferir seu estudo “Delícias do Crime”).

Nem preciso repetir meu espanto. Meu choque em imaginar as nobres famílias americanas assistindo tais enredos naqueles idos 50... Por isso é até melhor relaxar um pouquinho, pois os próximos episódios prometem coisas ainda piores...

Uma coisa é certa: Hitchc se divertia descaradamente com tanta crueldade...

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