sexta-feira, 5 de junho de 2009

EU FUMEI ESSE FILME (OU FUI FUMADO?)


The Brown Bunny, Vincent Gallo, 2003.

Existem filmes que furam qualquer fila de prioridades, tanto para se assistir quanto para se comentar. Eis que ontem experimentei um assim. Tinha lido sobre ele num dos muitos textos que comi sobre Gerry, e curioso pela associação entre ambos, óbvio que precisava conhecê-lo. Pois bem, saí ontem de manhã à caça, ontem de tarde baixei, ontem de noite assisti e durante a madrugada... Deixa pra lá.

Um homem. Corredor profissional de motocicleta (Fórmula 2), pára num posto de gasolina. Olha pra atendente e pede “Vem comigo”. Repete o pedido mais duas vezes e ela vai. Em frente à casa dela espera ela entrar para preparar suas malas. Desiste e vai embora.

Depois encontra outra mulher sentada, sozinha, em frente a uma loja de beira de estrada. Senta junto. Começam a se beijar. Numa cena (minha favorita) que não se cansa de completar um no outro. Ela espantada. Ele começa a chorar. E vai embora.

Convida uma bela garota de programa para almoçar. Passeiam um pouco com o carro. Pede pra ela sair. E vai.

Até encontrar a mulher que motivou todo seu devaneio. Num quarto de motel em que discutem. Transam. Se separam.

Um road movie. Ao contrário de Gerry esse filme é classificável. Mas não muito diferente, tem como ponto de partida um desespero pessoal que incomoda, contagia, desespera enquanto não toca a redenção. Nas exaustivas estradas o delírio. A certeza: sou tarado por filmes desérticos...


Por ter escrito, dirigido, fotografado, editado, produzido e atuado nesse seu segundo filme (meu primeiro), Vincent Gallo foi criticado como narcisista demais pela crítica. A obra foi tão esnobada e desprezada por todos que caiu num imenso ostracismo artístico, à espera de uma demanda que ainda não pareceu encontrá-lo. Mas eu já toquei. E não me importa se Cannes elegeu-o como o pior filme selecionado para o festival na história, afinal, quem disse isso também foi quem se levantou, deu às costas e cuspiu em cima de Irreversível, um dos mais tocantes protestos humanos (contra a própria humanidade) da década e da história do cinema. Outra coisa: será que existe algo mais narcisista do que fazer arte?

É verdade que ele peca. Principalmente quando tenta explicar tudo no final. Num atormentado e confuso diálogo, entendemos que toda a angústia se deu pela gravidez interrompida da jovem que ele amava. Durante uma festa, após dopada pelo consumo exagerado de drogas e bebidas, ela foi brutalmente violentada por alguns homens, motivo que causou o inevitável aborto. A vergonha. A perda da semente plantada. O fim da desejada paternidade. OK, tudo isso é cativante, mas realmente não precisávamos de tantos detalhes. E nesse fim encontro o maior contraste a Gerry, que não se rende a resposta alguma.

Mas nada estraga a experiência. Sim, em continuidade a um enorme grupo de cineastas ao redor de todo mundo que têm se preocupado em criar experiências sensoriais com corpos e espaços (grato a Hermano pelo abrir dos olhos) com sua arte Gallo consegue nos fazer experimentar algo novo. Seu perfil dentro do carro em movimento, repetido a todo instante, é o perfil de uma geração que herdeira dos anos 60 e 70, insiste em inventar novidade em cinema. Que cada vez me convence da possibilidade.

Antes de transarem, a jovem entra no banheiro para acender um cigarro. Faz isso duas vezes enquanto conversam. Um trago. A câmera perde o foco. Outro. De novo. Como se a imagem quisesse tornar-se fumaça junto com o ato. É lindo. Esclarecedor. A inspiração da imagem, a inflexão da câmera. Nelas, o ser vivo que também me contempla. Me traga. Mantendo-me nesse delicioso vício irrecuperável. Viver.

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