sexta-feira, 5 de junho de 2009

A FACE DE UM OUTRO


A Face de Um Outro, Hiroshi Teshigahara, 1966.

SINOPSE:Com o rosto completamente deformado por um acidente, homem procura médico para reverter a aparência. Através de avançadas técnicas, uma nova face é criada e implantada no paciente. A máscara, aos poucos, aparentará ter vida própria, pois o comportamento e a personalidade do indivíduo se transformam. Fingindo-se passar por outra pessoa, ele decide seduzir a própria esposa para testar a fidelidade do relacionamento.Paralelamente, uma bela jovem marcada com cicatrizes de guerra se assusta com a possibilidade de um novo conflito. Seu último desejo: mergulhar no mar...

CRÍTICA:Aos que assistiram e se encantaram com “A Mulher das Dunas”, a chance de experimentar mais um filme de Hiroshi Teshigahara é não somente esperada, como mesmo necessária para um melhor entendimento dos ideais reflexivos e estéticos desse autor que se estabelece definitivamente como uma das mais importantes vozes do cinema japonês. E aqui lidamos não apenas com uma voz, mas sim um ‘dueto’ dos mais notáveis no séc. XX, pois o que o nome de Teshigahara representa no cinema, Kobo Abe significará no domínio literário daquele país. Diretor e escritor/roteirista unidos pela terceira vez (imediatamente após “A Mulher das Dunas”) numa década (60) que contaria com 4 obras originadas desse diálogo artístico, constroem em “A Face de Um Outro” mais um inquietante painel do problema humano de identidade, individualidade, enfim, sobre a enigmática ordem da existência.
Como bem apontado por Lucia Nagib, Abe foi o introdutor da crise de identidade na ficção de seu país (sob influência direta de Kafka). Mas certamente as largas doses de fantástico ou mesmo de surrealismo que utilizou tinham relação direta com a tradição narrativa japonesa, reelaborada por ele de forma nova e singular (por essa tradição enxergamos como reducionista a fácil relação do cinema de Teshigahara com o de um Buñuel). Temática central de sua obra, toda a carreira de Abe (ele próprio viria a dirigir dois filmes) se dedica a avaliar a questão da perda da identidade no caso particular da sociedade japonesa, onde a individualidade é tradicionalmente reprimida. Seus personagens sempre permanecendo à procura de sua própria face, vivendo um desejo irrealizável de ser ‘um outro’.
“A Face de Um Outro” se estabelece assim como um exemplo central dessa reflexão. O homem sem face, refletido nos espelhos humanos que atravessam assombrosamente uma multidão no fim da intriga, nada mais é do que toda uma sociedade em crise. A técnica multifacetada na découpage de Teshigahara, já acentuada pela fragmentação dos corpos em “A Mulher das Dunas”, vem aqui mais uma vez denunciar a ferida da essência humana, num ser que vem se revelar ininterruptamente pelo corpo de seus atores, na pele cicatrizada, no rosto deformado, na carne que carrega cada imagem com uma subjetividade ímpar, pois aquilo que vemos nem sempre é o que realmente existe.
Experimentar esse filme comprova a máxima de Kobo Abe em “A Mulher das Dunas”:
“Se a alma existe, ela está na carne.”

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