sexta-feira, 5 de junho de 2009

SOB UM OLHAR POÉTICO


A Infância de Ivan, Andrei Tarkovski, 1962.

Quando falo de poesia, não penso nela como gênero. A poesia é uma consciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a realidade. Assim, a poesia torna-se uma filosofia que conduz o homem ao longo de toda a sua vida.
Andrei Tarkovski


São diversos os momentos ao longo de Esculpir o Tempo em que Tarkovski se concentra na intensidade do viver poético revelando sua sensibilidade artística provavelmente herdada pelo pai, o poeta Arseni Tarkovski. Ele delineia uma espécie de ‘lógica da poesia na imagem cinematográfica’, como uma força interior que se concentra na imagem e chega ao público na forma de sentimentos. É impossível para mim falar sobre tudo isso sem citá-lo diretamente:

“Na minha opinião, o raciocínio poético está mais próximo das leis através das quais se desenvolve o pensamento e, portanto, mais próximo da própria vida, do que a lógica da dramaturgia tradicional.” (Tarkovski)

É absolutamente renovador ler a respeito da criação e intenção poética dos seus filmes. Por exemplo: quando vemos aquela abertura em A Infância de Ivã com o menino deslumbrando-se com a paisagem, parecendo levitar sobre as árvores e contemplar o pássaro sobre o mais alto galho, é certo, temos um prazer estético. Mas quando sabemos que essa é uma de suas primeiras memórias da infância, de quando tinha 4 anos de idade, os significados aumentam...

Outro momento sublime é aquele do “carregamento de maçãs, e cavalos molhados pela chuva, cintilando ao sol”. Saber que essa também foi uma imagem que ele viu na realidade cotidiana da vida, e que o encantou, e que pediu para ser repetida e filmada, amplia muito o gozo que um simples olhar para a tela pode causar.

“A vida é mais poética do que uma representação artística” é o que ele praticamente conclui ao debruçar-se sobre a beleza do vivido, do instante que não pode ser captado e pode mesmo passar impune a olhares não atentos. “Muitas coisas, afinal, ficam em nossos corações e pensamentos como sugestões não concretizadas.” E há muita verdade nisso.

Por isso o cinema de Tarkovski foge a qualquer convenção narrativa pré-estabelecida. Porque a vida também foge. A vida não está preocupada numa causa/efeito para tudo, ela não exige explicações, conseqüências para todos os acontecimentos. E como é bonito quando algo nos acontece dessa forma, simplesmente pelo prazer de acontecer.

Eu quero ser conduzido pela poesia, como nas palavras do sábio.

Eu quero me relacionar com a realidade.

Eu quero acontecer.

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