sexta-feira, 5 de junho de 2009

ÁGUA VIVA

Um milagre.

Não tenho outra palavra para o acontecimento desse livro em minha vida. Nunca tinha lido nada da autora na época (confesso, ainda faltam muitos pra ler, ótimo, outros milagres me aguardam), e pegar esse pequeno livro, pequeno mesmo, me atormentou o espírito por mais de um mês. 100 páginas que poderiam ter sido consumidas em uma tarde me incomodoram por mais de um mês... isso mesmo. Eu não conseguia passar de um parágrafo quando iniciava ou retomava a leitura. Clarice me aprisionava na brevidade de uma linha, de uma palavra, de um verbo (é) como nunca uma experiência literária tinha feito comigo (e nunca mais fez, eu acho).

Eu me achei ali.

Isso. Eu me vi. Todo.

Até hoje digo: a quem quiser me conhecer um pouco, basta ler Água Viva. Eu estou todo lá. Não preciso de teorias, de profundas racionalizações (tudo que ela não deseja é isso), se a existência da obra me basta para significar tudo que eu sou.

Cada dia me convenço, em sentidos práticos mesmo, que vale demais dedicar a vida ao prazer da possibilidade artística. Consumir arte, se gastar nela, não se envergonhar de externar essa força que pulsa e parece querer explodir no peito, e olha que eu sei como eu corro o risco por aqui de ser tomado por piegas, leviano, dramático, pois eu constantemente me exalto com os filmes e os livros da minha vida... Ah, mas se não fosse isso, do que mais eu iria falar? Por que eu insistiria em viver? Eu prefiro correr todos os riscos...

Ler muitos livros aumenta a possibilidade de um encontro assim acontecer e eu torço para que isso ocorra mais e mais no meu futuro. Até hoje, entre as inúmeras grandes obras que já toquei, adianto (repetindo) que a única que chegou perto do milagre clariceano foi a dessa outra grande mulher: Hilda Hilst, A Obscena Senhora D. Essa é recente, ainda nem completou um ano, e já falei um bocado por aqui. Mas permanecendo em Água Viva acho que posso concluir que o principal motivo do favoritismo foi ter encontrado no livro o mais fiel espelho ao qual eu já me refleti. Ver a própria face, não essa feiosa que todo mundo enxerga, mas a face de dentro, daquilo que me constitui, do meu fôlego original, isso é um milagre que por mais que eu escreva não conseguirei transmitir por completo.

Que a graça e as consolações clariceanas sejam com todos, que suas palavras e epifanias acompanhem a humanidade agora e para sempre. Amém.

Um comentário:

  1. Que o Deus Venha
    (Frejat e Cazuza, sobre texto de Clarice Lispector)
    Sou inquieta, áspera
    E desesperançada
    Embora amor dentro de mim eu tenha
    Só que eu não sei usar amor
    Às vezes arranha
    Feito farpa
    Se tanto amor dentro de mim
    Eu tenho, mas no entanto continuo inquieta
    É que eu preciso que o Deus venha
    Antes que seja tarde demais
    Corro perigo
    Com toda pessoa que vive
    E a única coisa que me espera
    É exatamente o inesperado
    Mas eu sei
    Que vou ter paz antes da morte
    Que vou experimentar um dia
    O delicado da vida
    Vou aprender
    Como se come e vive
    O gosto da comida

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