sexta-feira, 5 de junho de 2009

A CRIAÇÃO, O MEDO, A CRISE [OU] A MODERNIDADE EM RUÍNAS


O Estado das Coisas, Wim Wenders, 1982.


O Iluminado, Stanley Kubrick, 1980.

Uma característica que marcou o cinema nos anos 70, em praticamente todas as nacionalidades e afinidades estéticas, foi a sensação de limite criativo. A aterradora sombra dos grandes mestres e das obras-primas já feitas, a insegurança para com o futuro do cinema naquela troca de geração, tudo isso amedrontou muito cineasta daquela época (se amedrontasse ainda hoje talvez tivéssemos filmes melhores sendo feitos), e Wim Wenders não foi exceção. Mas ao contrário de vários autores que preferiram se limitar a variações de um gênero ou cineasta específico, Wenders transitou entre as modalidades de gênero sem se fixar em nenhuma, mantendo ainda assim um estilo próprio, sempre impregnado de uma melancolia iminente e inescapável.

Podemos perceber em O Estado das Coisas essa flutuação espiritual pelos mais diversos gêneros: ficção científica, drama, comédia, faroeste... Mas se eu fosse obrigado a definir um gênero para enquadrá-lo, sem dúvida, afirmaria: Terror. E tenho certeza que quem assistiu o filme não poderá discordar de mim por completo...

Muito além de uma pequena cena onde o medo é abordado explicitamente (o genial susto causado pelo galho seco ao quebrar a janela e invadir o quarto trazendo o som da ventania e das ondas marítimas), todo o filme é desenvolvido sobre uma camada muito delicada, mas permeada do mais genuíno e aterrador medo. O medo do homem diante do mundo e da solidão. O medo do homem diante de si e do meio. O medo do homem que se depara com a necessidade da arte e não sabe que caminho seguir. Esse medo que gruda somente porque se vive e nada mais.

Impossível escapar aqui da óbvia (pra mim) associação de Wenders com O Iluminado, filme exatamente da mesma época (início dos anos 80, sob o peso que a década de 70 não aliviou) e que partilha em inúmeros aspectos da mesma direção e postura adotada em O Estado das Coisas.

Ambos os filmes lidam com uma arquitetura opressora. O hotel abandonado em Wenders, numa decadente e assoladora ruína, à beira do mar e da imensidão do nada, lugar em que ele parece estar submerso. O hotel Overlook em Kubrick, isolado da urbanização, soterrado pela neve e a força da natureza, com uma ruína que se desenvolve ao longo da estação sob o domínio de forças sobrenaturais. Ruínas. Refletidas nos corpos abandonados pelo mundo externo, à mercê do espaço e do que ele pode oferecer e tomar, enclausurados, sufocados, no limite da vida.

É o espaço arquitetônico quem parece impor o desgaste desses seres, de suas individualidades e motivações. Apavorante ver em O Estado das Coisas, para tomar poucos exemplos, o sofrimento da mulher que não escapa de viver um dejá vu, ou de outra que sente o gosto ruim de si mesma, e ainda outra que se percebe incapaz de retratar a luz e a sombra do mundo em sua pintura. Mais cruel ainda é constatar a influência do palacete sobre a família isolada no outro filme, o findar do amor no casamento, a quebra da confiança, a perda da inocência infantil.

Mas talvez o ponto de ligação entre esses filmes que mais me assombre (de verdade) é o temor da crise criativa, isso porque insisto em desejar pra minha vidinha a criação artística como ofício. Assim como o cineasta/alter-ego de Wenders passa a refletir sua carreira e constata a possibilidade de aquele ser seu último filme, o escritor/alter-ego de Stephen King também vê seu espírito aberto às influências malignas da casa após viver um período de bloqueio em sua escrita adiada, jamais terminada.

Nos dois casos lidamos antes de tudo com o medo de si. O horror de se perceberem pequenos ante a evidente imponência dos mundos em que estão confinados e não poder fazer nada. Não poder escapar. Pois nem mesmo a fuga propiciada pela criação lhes resta. Estão atados. À beira de uma vida sem arte, sem futuro, sem...

O retrato da época seca evocado por Wenders é o retrato da alma vazia trabalhada em Kubrick. Ambas, não apenas o retrato de uma década de transição, mas a bandeira (rasgada) de uma grande época que ainda não terminou. Espelhos de uma modernidade (e pretensa pós) que conseguiu colocar o homem diante de si e lhe perguntar de uma vez por todas: do que você ainda é capaz?

Pois nos tempos modernos: as ruínas.

E nessas ruínas, o motivo do medo:

A Humanidade.

Um comentário:

  1. Tópico para o filme na Comunidade 'Wim Wenders':

    'FILME - O ESTADO DAS COISAS', com 41 posts:

    http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=9306301&tid=5432469365514141728&na=2&nst=32

    ***

    abrx

    mrlx

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