quinta-feira, 18 de junho de 2009

A IMAGEM FINAL

Como encerrar uma obra?
Como se decidir pela última nota de uma composição?
Como elaborar a última página de um romance, o último verso de um poema?
Como saber que a escultura não precisa de mais um tocar das mãos?
Como encontrar a imagem certa para encerrar um filme?



Passado o entusiasmo urgente por Twentynine Palms (ou melhor: nele para sempre), experimento o primeiro trabalho de Bruno Dumont: A Vida de Jesus (1997). E com esse segundo toque constato uma coisa: o moço sabe valorizar sua última imagem como pouquíssimos cineastas já conseguiram fazer. Sim, até os mestres (posso incluir meu Hitchc sem peso na consciência) têm dificuldade nesse sentido, pois muitas vezes a força de uma obra-prima é tamanha que praticamente nenhum final pode satisfazer a sensação da desprezível necessidade do fim. Mas esse não é o caso de Dumont.

Espanta-me perceber que uma de suas particularidades como Autor (A super maiúsculo no caso dele) é marcar seus filmes com uma potência catártica após bons minutos depois do clímax (se é que se pode identificar um clímax em seus filmes). Bem diferente dos recursos convencionais que cercam o filão de filmes que apelam desesperadamente para um final surpresa, super impactante e tremendamente enganador, os finais em Dumont recorrem a um impacto que aposta na força do inesquecível a partir de uma rigorosa composição de totalidade, de plena consciência em tudo que foi abordado antes do fatídico último minuto. Assim, se há algo que incentive seus filmes ao status de obra-prima é justamente a elaboração da última imagem, ou para sermos mais justos e lógicos, da última cena filmada.

Por mais que hesitemos durante a projeção, perguntando-nos o porquê de determinados elementos, achando uma ou outra cena excessiva na duração ou duvidosa na intenção, não há como não se render ante o último minuto de seus filmes. O último fôlego, a última iluminação de uma obra que ao se apagar parece estar apenas soltando suas primeiras faíscas. E não adianta eu contar. Nem os mais ricos detalhes narrativos podem descrever a sensação que me invade ao terminar um Dumont, pois nesse momento (o fim do filme), ao invés de uma explicação final, sou assolado pelas mais cruéis dúvidas, não apenas sobre a vida e a difícil realidade vivida pelos personagens acompanhados, mas questionamentos que se referem principalmente ao aparato cinematográfico, sua história, sua linguagem, seu valor, sua ética, sua função e a negação de tudo isso.



Um filme sobre juventude.

Em nenhum momento a tentativa de julgamento, o risco do caricatural. Os personagens são simplesmente acompanhados, e se sensações desagradáveis são sentidas pela antipatia que provocam, qualquer juízo sobre eles será totalmente subjetivo (a antipatia é minha mesmo). Os temas habituais estão lá: descoberta/aprofundamento da sexualidade, o embate com o luto e a iminência da morte, fraternidade, desavenças com a família, e todo o arsenal de elementos que tão facilmente viram clichê por aí. Talvez o que impeça esse risco seja a sensação de que antes de mostrar acontecimentos da vida juvenil, o filme se interesse primeiramente, e de forma digna, em apenas captá-los vivendo.

Deixar o tempo passar, alguns diriam.
Conscientizar-se do que é viver, eu prefiro.

Caminhar nas planícies (deliciosamente fotografadas).
Passear de motocicleta e sentir o vigor do movimento.
Descansar no fim da tarde.
Sair com o carro e contemplar.





“Não tomarás o nome do teu Deus em vão: porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.”

Realmente não consigo entender a necessidade de Dumont em afrontar o terceiro Mandamento e se utilizar de maneira tão arbitrária do Nome dos Nomes: Jesus.

Fiz de tudo para tentar enxergar a analogia entre o filme e a vida de Jesus, mas não consegui encontrar nada além de uma ínfima cena no início que mostra o deslumbre de um dos jovens , em um quarto de hospital onde um moribundo agoniza seus últimos minutos, diante de um pequeno quadro com uma cena que remete a história de Jesus. Ah, por favor, se essa minúscula cena for a única justificativa para o título... Tá, nem tudo poderia ser perfeito.

Os jovens desse filme podem ser apontados de tudo, menos de espirituais. Qualquer questionamento dessa ordem parece passar bem longe da cabecinha deles, o que me acentua ainda mais a incongruência do título. Na verdade, a espiritualidade da obra se concentra toda na própria forma final, no tratamento das imagens, na maneira como seu autor se debruça sobre o mundo e seus personagens. Apesar de toda minha fé no cinema não acredito que o olhar santificado de Dumont consiga espiritualizar qualquer um dos rapazes em jogo. Há casos em que realmente isso é possível. Como se o olhar bastasse para impregnar a imagem original de sentimentos e reações outras, mais profundas e esperançosas. Mas esse filme dificilmente se enquadraria nessa perspectiva.

Mas esperem.
O último minuto permanece lá.
E talvez seja ele o instante redentor.
Aquele quem conseguirá me calar e fazer aceitar.

O êxtase
Existe.

2 comentários:

  1. Poxa, Nando! Se formos ver bem, os finais dos filmes do Fritz Lang nos anos 50 são incríveis, também. Mas, creio, num sentido diferente de Dumont (q nunca vi nenhum filme, por sinal. Mas q, pelo seu texto, pude tentar imaginar a sensação dos finais, q deve ser bem parecida com as q tenho em alguns dos filmes de minha vida). Em Lang, a gente vê um final brusco e inesperado ("Desejo Humano"), com um toque brutal de q tudo aquilo q vimos continuará em outra tela q não poderemos ver. E continuará como q escondendo uma força maligna do crime e da tragédia. Acho q o átimo q qualquer bom final de filme proporciona, dá, ao menos, uma ponta do segredo do universo, em doses homeopáticas. Ou seja: algum dia, vendo um filme ("2001", de Kubrick quase chegou perto disso, por sinal), haveremos de encontrar em suas últimas imagines (ou, pq não, EM SUA ÚLTIMA) não só o fim, mas principalmente o começo de tudo...
    E muito, muitíssimo obrigado pelo comentário lá no blog. Como vc diz, sem peso algum na consciência, digo q foi o comentário q mais gostei, nesses dois anos (completados ontem) de blogspot! Muito obrigado, rapaz!

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  2. Eu tenho certeza que "2001" chegou bem mais que perto... Ele alcançou.

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