sexta-feira, 5 de junho de 2009

DO ESTAR SÓ


Um Beijo Roubado, Wong Kar Wai, 2007.

Aos que me conhecem há algum tempo e lembram-se de minhas aventuras com “O Minúsculo” (série de contos que escrevi a respeito de um mosquito), sabem que a existência dos insetos ao redor do homem sempre me fascinou. Semana passada falei por aqui sobre alguns insetos num conto de Clarice, desde então eles não me largaram mais... Na verdade, têm me feito entender que a solidão não é possível justamente pela existência deles... Ôpa, a solidão não é possível???

Curiosamente, a poesia em Retábulo de Jerônimo Bosch também registra a passagem desses onipresentes seres no universo dos versos. Em Taipa (p.77), temos:

/.../
Besouros arquitetos
erguem pequenos monumentos
aos cegos da casa.

Também os encontramos em As Tias (p.107):

/.../
A lagartixa medita
na relva rente ao alpendre.
/.../
E as muriçocas avisam
a hora que o sono ataca.
/.../

A onipresença dos insetos nos versos de Everardo Norões tanto como na prosa de Clarice quer denunciar, na verdade, a onipresença da vida. Parece-me enganado aquele que pensa estar só... E nisso quem se engana sou eu! Afinal, antes de qualquer um, sou eu quem sempre afirmo amar a solidão, e claro, há muita verdade nisso. O que esses textos vêm me revelar, no entanto, é a inquietante compreensão de que a solidão é uma ilusão (as rimas incomodam-me tanto quanto a descoberta).

Ora, poderíamos entender, apesar disso, que a solidão configura-se como um estado de espírito e não como um fato físico-espacial. O mesmo estado exigido pela criação artística, pela elaboração poética. O mesmo estado que quando utilizado por estas, surpreende-se imediatamente negado, subjugado à realidade de que sempre há vida além da nossa, tanto ao redor como mesmo em nós.

Pois se uma poesia revela os prazeres de estar consigo, num ambiente imaginário de ilusões, ela faz isso através da mais pura concretude dos fatos, dos mais escondidos detalhes que querem escapar, mas que vibram e pulsam a certeza vital em tudo que interage com o corpo humano. Muito além dos insetos, é nas pequenas coisas que o poético se consuma, retificando em nós o prazer tão caro à existência da arte.

Concordando com os mistérios da alma que insiste no estar só (a minha), o último poema citado ainda nos brinda:

/.../
Ah! Quanto de luz existe
no canto escuro da alma...

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