sexta-feira, 5 de junho de 2009

A ILHA NUA


A Ilha Nua, Kaneto Shindo, 1960.

Eis uma frase que guardo para raros filmes: “ISSO É CINEMA!” Raros mesmo, daqueles que manifestam o catártico em mim e me fazem ter a certeza de que o corpo é pouco para abarcar tudo que a arte cinematográfica pode gerar no espírito humano. Bem, acho que acabei de assistir um filme que não se adequa exatamente nessa noção de catarse que mencionei, mas que merece, sem dúvida, a gloriosa frase.

Completamente envolvidos nas sessões do Dissenso, os amigos Everardo e Sônia Norões nos deram a honra de apresentar esse filme. É verdade que em mim o senso de surpresa não existiu, pois alguém tinha que saber qual era o filme para garimpar na net, mas resisti à tentação e me mantive sem vê-lo até o momento da sessão. E que prazer...

A Ilha Nua
é um filme que grita seu maior mérito no silêncio. Isso mesmo, apesar de ser de 1960, o filme é absolutamente mudo! E nisso já me conquistou. Suas imagens debruçam-se sobre uma família que vive da agricultura, e tudo que vemos é o labor do casal em levar água até as plantações. Num ritual sagrado, sensual, prazeroso... Não nos cansamos da repetição, assim como eles parecem se alegrar na simplicidade da vida que levam. As possibilidades do documental em cinema tocam a essência do poético, oferecendo durante toda a projeção uma experiência de vida alternativa para nosso gosto ocidental, tão habituado com seus particulares rituais vividos sem intensidade...

Entre outras coisas que a obra utiliza para manter o senso narrativo (o passeio pela cidade, a morte de um dos filhos, o desesperado luto sentido pela mãe), uma, de ordem simbólica, ainda merece minha atenção. O ângulo acima mostra o que quero dizer. Todo o trabalho, toda a rotina enfrentada, parece cair sobre eles como uma cruz. Como Everardo mencionou, o Japão também sentiu em determinado período histórico as influências do cristianismo, e apesar de não saber maiores detalhes sobre isso não tenho receio em afirmar todo o imaginário de sacrifício a que o filme me remeteu.

São personagens crucificados. No sentido da crucificação vivida pelo próprio Cristo, com um sofrimento sublimado pelo prazer da sagrada missão. Eles, não chegam a carregar o peso de outros, mas cumprem com fidelidade aquilo que lhes foi destinado. Despertam-me assim, para a beleza que pulsa na mais tola rotina, na gota de suor derramada, na imagem cinematográfica que captura acima de qualquer coisa o prazer de estar vivo.

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