sexta-feira, 5 de junho de 2009

JUNO AND THE PAYCOCK


Juno and the Paycock, Alfred Hitchcock, 1930.

Juno and the Paycock é o segundo filme falado do mestre, uma criação que não deve ser ignorada (e infelizmente tem sido). Notadamente teatral, texto baseado em peça de Sean O’Casey, possui já no argumento central grandes virtudes (que me deixam curioso por conhecer o texto original). Narra a história de uma família prestes a receber uma herança que não vinga, deixando todos desolados. O epílogo trágico, justifica-se pela morte do filho e a gravidez da filha desonrada, num triste momento em que a mãe (Juno) monologa com Deus questionando o motivo das desgraças.

Há muitas coisas que poderiam ser pontuadas a respeito do estilo hitchcockiano, mas vou ater-me a algumas (pelo menos por enquanto).

Em primeiro lugar, é assombrosa a apresentação do personagem do filho. Sempre no fundo dos planos, despercebido pelos demais, esse é um homem atormentado por carregar a culpa de um assassinato (há um forte teor político contextualizado na Irlanda da época). São inúmeros os enquadramentos em que ele parece esquecido lá atrás (ângulo abaixo), numa valorização pela profundidade de campo que transcende a disposição cênico-teatral sugerida.

Há um momento, em que outro personagem reflete sobre a morte e o crime (brilhante antecipação de Festim Diabólico), instante em que temos uma aproximação do filho (um elegantíssimo zoom para isso). Só para constar, o monólogo-reflexão citado:

“Dizem que atos sensacionais, como assassinar uma pessoa, requerem muita energia, e que essa energia permanece no lugar em que ocorreu a ação. A gente pode viver nesse lugar e não ver nada, e chega alguém cuja personalidade tem alguma conexão peculiar com a energia do lugar e de repente vê tudo.”

Outro aspecto que aproximaria esse filme de Festim Diabólico (assim como de Disque M Para Matar) está no aprisionamento do espaço ao interior da casa. Apenas na abertura temos uma externa completa, que culmina no assassinato a pesar na consciência do filho. A partir de então, o exterior é vislumbrado apenas por um ângulo repetido da janela. Ângulo que se dá a ver sempre em acompanhamento ao barulho de um tiroteio (a guerrilha política que corre lá fora). Assim, o externo é a ameaça, da mesma forma com os assassinos de Festim, que não se permitem nunca sair do apartamento para proteger o cadáver.

E por falar no ruído do tiroteio, esse é um ponto central em Juno and the Paycock: o primor com que Hitchcock utilizou os recursos sonoros. Não esqueçamos: esse é apenas o segundo filme sonoro de sua carreira! A consciência do que o áudio possibilita ao visual apresenta-se plenamente refletida pelo criador nesse caso. Suprema importância citar: o filme não possui trilha sonora! Temos apenas os acordes de abertura para os créditos e para o letreiro final. Ou seja, muito antes de Os Pássaros e Um Barco e Nove Destinos (ambos sem trilha), o mestre já sabia (ou ao menos experimentava a descoberta) do que o silêncio pode oferecer a uma narrativa cinematográfica. As poucas músicas cantadas pelos atores (e nesse sentido de termos música apenas quando permitida pelo interior diegético da narrativa vislumbramos mesmo os princípios do DOGMA 95), contrapõem os instantes marcados por um absoluto silêncio, geralmente voltados para uma acentuação do drama trágico vivido pelos personagens.

Pungente tragédia com pranto e dor. Vemos a mãe da vítima que morreu no início do filme descendo a escada do prédio (descendo ao inferno, como em Downhill); acompanhamos o enlouquecimento do filho culpado (dessa vez culpado mesmo! rsrs) como a ecoar o persona de Dostoiévski e a jovem do anterior hitchcockiano Chantagem e Confissão; despedimo-nos do impressionante rosto da filha (Kathlee O'Regan) abandonada, envergonhada, com um filho rejeitado no ventre; e sentimos com a mãe (e o próprio Hitchcock), a desconfiança contra a humanidade vil, esquecida de um Deus que já não tem como intervir, ou mesmo ouvir uma súplica solitária, se Ele mesmo foi esquecido.

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