sexta-feira, 5 de junho de 2009

O CINEMA E A VIDA


Em Busca da Vida, (Still Life) Jia Zhang-Ke, 2006.



Sábado à Noite, Ivo Lopes Araújo, 2008.

As palavras do amigo Hermano esclarecem um pouco do filme chinês:

Em Still Life, o cineasta registrou o processo de demolição de Fengjie, cidade de mais de 2600 anos que, com a construção da usina hidroelétrica Três Gargantas, ficará completamente submersa. Um minerador tenta encontrar sua ex-mulher, abandonada há 16 anos, enquanto uma outra mulher procura seu ex-marido. Suas histórias atravessam a paisagem e a História recente da China, país marcado ao mesmo tempo pelo subdesenvolvimento e pela assombrosa modernização capitalista. Zhang-ke propõe uma escrita táctil de cinema, que nos oferece o mundo em sua estranha concretude: a imersão no espaço e no tempo do filme é intensa. Paisagem carregada a um só tempo de sentido histórico e afetivo, Fengjie nos impregna com sua atmosfera de não-lugar, com a melancolia de suas ruínas, com seus prédios que desabam e nos assombram, com a vida que parece imóvel enquanto o lugar ao redor se modifica velozmente.

Quanto ao brasileiro, produção cearense fresquinha, podem acreditar: o filme é um simples registro de uma equipe de filmagem a respeito de uma noite de sábado. Só isso! Com direito há infinitos minutos paraaaaados, contemplando o vazio da cidade, das ruas, ou seja, uma excelente oportunidade para o deleite de belos ângulos, momentos plasticamente improvisados (foi filmado inteiro numa noite só, de verdade).

A relação que eu pretendia traçar sobre os dois filmes (vistos em duas semanas consecutivas)quando sentei pra escrever esse post na verdade é muito tênue. Posso estar forçando a barra, mas o que mais me chamou atenção em ambos foi a importância da vida dentro da imagem cinematográfica. Em Still Life a natureza (viva) se impõe como personagem principal, ainda que sob um processo de destruição, mas é ela quem sofre diante de nós; tudo isso enquanto duas lindas sub-tramas envolvendo o fim de relacionamentos amorosos desenvolvem-se sem grandes explicações. Mas como brilham esses casais... Como brilham as montanhas ao fundo... Como brilha o suor dos trabalhadores responsáveis pela demolição da cidade morta...

Já em Sábado à Noite, o choque entre a vida e a natureza morta das cidades, do urbano, também é muito visceral. Não apenas a vida humana, mas a vida que pulsa nos pequenos seres que nos cercam. Os peixes, os pombos perseguidos pela câmera que acorda no fim do filme junto com o fim da noite e o amanhecer do dia... Especialmente esses últimos! Como é linda a vã tentativa de se capturar um pássaro... Como é tolamente belo o desespero da imagem cinematográfica em flagrar o elemento vivo, pulsante... Um desespero correspondido! Pois mesmo fugindo, os pombos irradiam a liberdade que nenhum concreto, máquina, ou qualquer outro elemento da cidade foi capaz de oferecer.

Ver esses filmes me fez acreditar um pouco mais na vida como razão de ser da imagem cinematográfica. Razão nobre, irreversível, que não se deixa findar com o simples terminar de um filme, permanecendo e sobrevivendo numa memória que urge. Que não se deixa morrer.

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