sexta-feira, 5 de junho de 2009

O CORPO COMO TELA


O Livro de Cabeceira, Peter Greenaway, 1996.

As utilizações do corpo humano na Modernidade passaram a variar entre inúmeras intenções, todas elas visando mais do que enxergar o corpo como um mero suporte de vida. As artes, a partir do conceito de performance, aproveitam o corpo humano não apenas como um objeto a ser ‘representado’, mas sim um suporte passível de ‘apresentar’ determinadas propostas estéticas. A partir do corpo se pode criar, com o corpo é possível mimetizar, no corpo encontramos a principal matéria-prima da Arte Moderna.

A arte cinematográfica, descendendo nesse sentido do teatro, usufrui do corpo humano tornando-o o centro das atenções de uma imagem (na perene presentificação da imagem ultrapassa-se o conceito e a forma teatrais), e pela imagem tatuada do corpo na película percebemos que o cinema flerta de perto com os princípios da tatuagem.


O corpo é um alfabeto? Pele pode servir de papel? Há imortalidade no texto? A espinha do livro é a mesma vértebra do homem? Qual é o preço em palavra do amor carnal? O texto pode sentir ciúme? Podem os livros trepar com outros livros e produzir mais livros? Sangue é tinta? A pena é um pênis cujo propósito é fertilizar a página? Aquela que era o papel pode tornar-se a pena? E se foi o corpo que fez todos os signos e símbolos do mundo, passando do cérebro pensante para o braço que move e daí para o gesto da mão e daí para a pena rígida sobre o papel silencioso durante milhares de anos, e agora? – agora que todos nós escrevemos com teclados? Teremos rompido um elo essencial? Haverá agora uma necessária evolução futura para as letras e as palavras? E, se as palavras foram feitas pelo corpo, onde haveria um lugar melhor para depositar essas palavras do que de volta no corpo?
Peter Greenaway.

Deter-me com atenção em O Livro de Cabeceira e nos escritos de Greenaway me inquieta quanto ao destino da escrita e da relação que esse ato possui com o humano. A cada dia nos afastamos mais do poder das palavras. A “sociedade da informação”, com sua explosão de notícias e textos, tem banalizado a essência da matéria escritural. Estamos nos distanciando drasticamente (espero que não de maneira irreversível), ou melhor, estamos rompendo a relação que o homem há muito nutre com o objeto de desejo literário/comunicativo: a palavra.

As letras de um teclado são suficientes para a necessidade que impele o homem a escrever? Essa necessidade ainda existe? Pode o homem sobreviver sem a palavra? Pode deixar ele algo para a posteridade que não seja a marca escrita pelo próprio sangue? Ainda há sangue correndo nas veias da humanidade?

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