sexta-feira, 5 de junho de 2009

O MARTÍRIO


O Martírio de Joana D'Arc, Carl Theodor Dreyer, 1928.

Louvado seja Deus! Pelo milagre da vida! Pelo milagre da arte cinematográfica!

A quantidade de textos que já li a respeito dessa obra sempre me anunciaram uma promessa, um advento constituído como pedra angular da sétima arte, estabelecido por unanimidade como um dos pontos mais altos que a arte do século XX alcançou. Acreditem: nenhuma dessas palavras é suficiente para erguer o filme de Dreyer ao patamar que ele merece.

A aura mítica que cerca o filme comprova: censurado quando de seu lançamento, teve os negativos destruídos por um acidente; na década de 30 o próprio Dreyer se ocupou de montar o filme novamente com cópias pessoais que possuía; em 1952 começa a circular uma cópia sonorizada com fundo musical que denigre a essência da intenção do autor; só em 1985 a obra seria restaurada com maior proximidade à original. Coisas do destino...

Com a narrativa desenvolvida toda em primeiros planos dos rostos dos atores, temos aqui, uma das filmagens mais viscerais que o cinema já presenciou. Cenários simples, roteiro enxugado para contar apenas o dia do processo pelo qual passou Joana D’Arc, tudo se resume à força que um close possui enquanto recurso da linguagem audiovisual, ou melhor, VISUAL!!! Pois como dito, Dreyer recusava qualquer recurso sonoro para esse filme! Cinema mudo, mudo mesmo! Milagrosamente apoiado nessa que, sem dúvida, foi uma das maiores atrizes que o cinema dispôs: Marie Falconetti. Não duvido: essa mulher alcançou o estado de graça durante as filmagens. Não adianta descrever. (atenção: esse foi o único filme em que ela atuou) Roubo apenas as palavra de Claude Beylie: “A câmera escruta a epiderme dos rostos, suas rugas, suas calosidades, em busca do mais ínfimo tremor.” E ainda no grande Bazin ao dizer que esse filme foi “atravessado pelos ultra-sons da alma”.

Hoje eu entendi o propósito de Deus ao tocar Joana D’Arc de uma forma especial. Foi para que o ato de fé cinematográfico se consumasse. Revisitada no cinema desde 1898 pelas produções Pathé, a biografia dessa santa mulher (canonizada 8 anos antes do filme de Dreyer) já rendeu inúmeras obras-primas (não apenas no cinema), permanecendo viva no imaginário da humanidade como poucas vidas têm conseguido.

Quando Dreyer escolheu mostrá-la em suas fraquezas, humana, carnal, comprovou a capacidade de transcendência humana em direção ao divino, num paralelo comparável à paixão do Cristo injustamente condenado. Um ato de entrega, de fé, de sacrifício.

Amém.

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