sexta-feira, 5 de junho de 2009

A PRESENÇA DAS COISAS


2001 - Uma Odisséia no Espaço, Stanley Kubrick, 1968.

"Descrições estranhas de coisas conhecidas, o familiar se transformando no insólito, os objetos se apresentando de maneira criativa, a energia visual, olfativa, tátil, melódica, gustativa impregnando os seres, os âmbitos, os lugares, os climas, as atmosferas, tudo converge, nesta poesia singular, para a medida lírica concentrada, para a linguagem como item aglutinador de dispersos fragmentos, para a harmonização dos vocábulos, no plano geométrico da forma, face ao caos natural que rege o movimento da matéria."
(Hildeberto Barbosa Filho, em prefácio a Retábulo de Jerônimo Bosch)

Novo. Esse é o lugar do poético. Lugar de (re)encantamento pelo que espera ser notado. Como se tudo aguardasse um sensível olhar, um debruçar-se em carinho que ilumine a presença das coisas. Pois elas estão aí. À margem da vida. Coisas que acalentam em sua superfície a memória dos que passam: nós.

O misterioso quarto em 2001 é o nosso quarto. Aquele lugar em contato com o sublime é o nosso lugar secreto, onde nos guardamos do ameaçador mundo cruel. Mas seremos nós os cruéis. Se não nos lançarmos à presença das coisas. Se ignorarmos o espaço que clama por atenção para oferecer em troca o revelar.

Somos expostos nelas. Aprendo isso no dizer poético, nos discretos versos de Everardo que ainda insistem em não me largar. Como no precioso Huerta de San Vicente (p.71), que fere:

/.../
uma cômoda,
a pequena mesa,
a cama rasa:
à tua janela
sofro a música do rio
que se ergue do piano.
debruçado
sobre o tempo
sinto-me como sou.
assim:
menor que tua sombra.

Lugar em que não são permitidas as primeiras e grandes letras iniciais. Pois tudo é pequeno. Como sou. Minúsculo à sombra dos saudosos insetos. Que estão me olhando. Te olhando. Enquanto parados na frente da fria tela virtual descobrimos a vida.

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